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Se não pode com eles, junte-se a eles

O Brasil deveria criar uma jurisdição offshore no País, à semelhança dos demais paraísos fiscais pelo mundo

Por Roberto Luis Troster
Atualização:

A polêmica lei de repatriação e os vazamentos dos nomes dos titulares das contas e empresas no exterior, nos Bahamas Leaks, nos Swiss Leaks e nos Panama Papers, mostraram que milhares de brasileiros têm ativos em centros financeiros offshore.

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Também conhecidos como paraísos fiscais, estes são jurisdições com tributação baixa ou nula, com uso de divisas de vários países e com serviços empresariais e comerciais especializados para não residentes e fundos de investimento em grande escala. Há estimativas de que entre um décimo e um terço da riqueza do planeta esteja aplicado neles e uma proporção maior do comércio mundial passa por esses locais. Há transações feitas para esconder recursos, algo que está ficando cada dia mais difícil e deve continuar a ser combatido.

Todavia, a grande maioria das operações é motivada por vantagens tributárias, diversificação de carteiras, facilidades para transferências, segurança jurídica, agilidade e simplicidade de normas. Num dos centros, as Ilhas Cayman, mais de 20 bancos do Brasil têm agências e ou subsidiárias, com o pleno conhecimento do Banco Central e da Receita Federal. Milhares de contribuintes brasileiros também informam, nas suas declarações de renda, as aplicações nesses locais.

Há mais de meia centena de paraísos fiscais no mundo, onde é permitido abrir uma empresa ou criar um fundo, que podem ser administrados por um agente fiduciário. Sua existência, apesar de legal, é problemática, pois permite esconder patrimônio e evitar impostos, com prejuízos para o Fisco.

Já que é uma realidade inevitável, a proposta deste artigo é que seja criada uma jurisdição offshore no Brasil, com características especiais e operações semelhantes às dos demais paraísos fiscais. Poderia ser em Ilhabela ou em Fernando de Noronha, mas a sugestão é de que seja no centro velho de São Paulo. Seria uma versão brasileira do que é feito em Hong Kong e em Londres. O território da jurisdição pode ser pequeno, alguns quarteirões, já que a maioria das empresas e fundos offshores tem como domicílio legal uma caixa postal apenas.

Seria uma Zona Franca Financeira, com legislação, tributação e regulamentação semelhantes às de centros financeiros offshores existentes, que teria uma estrutura prudencial e de gestão de liquidez adequada e solução de conflitos em outros foros jurídicos internacionais.

Deve-se destacar que não se está propondo, neste artigo, mudar em nada a atual regulamentação e tributação do Sistema Financeiro Nacional (SFN) nem se está propondo a conversibilidade do real. Mas, sim, a criação de um “apêndice” com outro marco institucional.

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Cidadãos, empresas, bancos e fundos nacionais e estrangeiros operariam com restrições semelhantes às que atualmente são impostas nas Ilhas Cayman e em outros paraísos fiscais.

São Paulo tem tudo o que é necessário para se tornar um centro financeiro offshore. Possui infraestrutura física - transporte, comunicações, rede de pagamentos, segurança, hotéis e prédios para escritórios. Também tem mão de obra especializada abundante, escritórios de advocacia, classificadoras de risco, suporte tecnológico e serviços de apoio. É o domicílio de milhares de empresas de comércio exterior, armadores, instituições financeiras e pessoas com recursos que investem em outros paraísos fiscais.

Atualmente, empresas, fundos e cidadãos brasileiros têm aplicações declaradas no exterior de cerca de US$ 400 bilhões, e algo entre a metade e um quarto desse valor não declarado, que pode ser repatriado em razão da nova lei.

É razoável supor que uma fração desse total fosse aplicada na jurisdição a ser criada aqui, ao que se pode adicionar parte das operações de comércio exterior brasileiro, bem como a atração de algumas transações oriundas de outros países. Isso geraria um volume considerável de recursos.

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O novo centro financeiro offshore paulistano poderia começar a operar de forma experimental, com poucas transações, resolvendo as pendências em foros internacionais, crescendo devagar, num primeiro momento, para aprimorar sua estrutura e aos poucos se consolidar.

Benefícios. Os benefícios seriam consideráveis. O primeiro seriam facilidades para quem opera legalmente num desses centros offshores atuar aqui. Simplificaria, também, o trabalho de detectar transações ilícitas pelas autoridades brasileiras. Com sua implantação, haveria mais empregos diretos e indiretos e externalidades nos serviços de suporte, tecnologia, turismo de negócios, educação, advocacia e tecnologia.

O resultado fiscal seria expressivo. Atualmente, as reservas internacionais custam ao Brasil, em números redondos, cerca de R$ 100 bilhões por ano, em razão do diferencial das taxas de juros nacionais e internacionais. Já os recursos depositados na jurisdição seriam com lastro, portanto, não onerariam o Tesouro.

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O maior ganho seria um passo a mais na direção de consolidar São Paulo como um centro financeiro internacional. A cidade já é sede da quase totalidade dos bancos privados nacionais, bem como de outras instituições - a Bovespa, a BM&F e as clearings de ativos, câmbio e pagamentos.

Todavia, para realizar plenamente sua vocação, há a necessidade de adequar o quadro institucional do SFN, a tributação, o mercado de câmbio, a regulação bancária e o Judiciário. É um processo que, mesmo com vontade política, demora anos e que deveria ser iniciado o quanto antes.

A vocação de São Paulo para ser o centro financeiro, comercial e empresarial da América do Sul é um fato que exige várias ações para sua concretização. A proposta deste artigo, a criação do centro offshore paulistano, é uma. É viável, pode ser executada num prazo curto e não depende de mudar o que já existe. É isso.

*DOUTOR EM ECONOMIA PELA USP, FOI ECONOMISTA-CHEFE DA FEBRABAN E PROFESSOR DA USP E DA PUC-SP E-MAIL: ROBERTOTROSTER@UOL.COM.BR

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