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Seis provas de que o motorista brasileiro é um otário

Especialista critica medidas adotadas no Brasil em nome da segurança do trânsito e lembra exemplos do passado que caíram no esquecimento por fugirem ao bom senso

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Por Redação
Atualização:

Todo motorista brasileiro é um otário. Ou, ao menos, é feito o tempo todo de otário pelas autoridades do trânsito do País, segundo o especialista em trânsito Ronaldo de Breyne Salvagni, professor titular e coordenador do Centro de Engenharia Automotiva da Escola Politécnica da USP e conselheiro da Associação Brasileira de Engenharia Automotiva. Confira exemplos de fatos que comprovam a afirmação e a íntegra do artigo em que o especialista explica a sua opinião:

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* Ronaldo de Breyne Salvagni

Alguém lembra do "kit de primeiros socorros", que todo carro foi obrigado a ter há alguns anos? Foi uma festa de lucros para os seus fabricantes, mas a coisa era tão escandalosamente inútil (não era necessário para pequenos ferimentos, e era inútil para qualquer ferimento maior) que o bom senso prevaleceu e a lei não durou muito tempo.

Entretanto, um outro "conto do vigário", tão inútil e tão lucrativo para os respectivos fabricantes como aquele "kit", permanece vivo: o do "extintor de incêndio veicular". Trata-se de mais uma "jabuticaba" - só existe no Brasil. Nenhum outro país exige esse acessório, por razões óbvias: é desnecessário para pequenos focos de fogo (que podem ser apagados por simples abafamento), e insuficiente e inútil para incêndios maiores. 

Essa inutilidade já foi declarada por entidades técnicas no Brasil, mas ninguém levou isso em conta. Note-se que o extintor é até mais lucrativo que aquele "kit de primeiros socorros", pois exige manutenção e trocas periódicas, regiamente cobradas, o que não acontecia com o "kit". Agora, com desfaçatez impressionante, anuncia-se mais um passo na exploração do motorista: a obrigatoriedade de trocar todos os extintores antigos (e pagar caro) por um "novo modelo" a partir de 2015.

É verdade que quem compra carro no Brasil já é visto como otário por estrangeiros: paga-se, em muitas prestações, cerca de duas vezes mais do que o preço do mesmo modelo em outros países, notadamente nos Estados Unidos ou na Europa. Para proteger esse esquema, os carros importados são enormemente taxados, e todos acham isso normal.

Mas a exploração do motorista brasileiro não fica só nisto, nem é de agora. Alguém lembra da "plaqueta", uma plaquinha de metal com o ano corrente que era rebitada sobra a placa traseira do veículo, e que precisava ser trocada todo ano no licenciamento, sendo também (obviamente) cobrada? Essa plaqueta não existe mais, porém outros esquemas tão ou mais lucrativos continuam aparecendo. 

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Periodicamente, os modelos das placas são trocados, obrigatoriamente. Entre 1941 e 1969 eram seis números, passou para duas letras e quatro números entre 1969 e 1990, e de lá até hoje são três letras e quatro números. Todos os proprietários tiveram que trocar as placas dos seus veículos nessas ocasiões, e pagar por isso. Depois vieram as "placas refletivas", mais caras. O próximo passo na exploração do motorista brasileiro já foi dado: os jornais informam que todos terão que adotar o "modelo Mercosul" a partir de 2016. Os fabricantes de placas já estão felicíssimos, comemorando mais esta conquista.

É impressionante a criatividade para encontrar novas formas de "bullying" a serem aplicadas aos motoristas. Em São Paulo, noticiou-se que a velocidade máxima atual de 90 km/h será reduzida "por causa dos acidentes ocorridos nas madrugadas devido a "rachas"". Ora, esses acidentes (em rachas!) já não ocorreram em velocidades muito superiores ao limite de 90 km/h? De que vai adiantar reduzir esse limite? O fato é que, com os modernos radares atuais, é fácil flagrar qualquer veículo em velocidade superior à permitida, e baixar o limite (especialmente nas marginais de São Paulo) vai aumentar significativamente a arrecadação de multas sem maiores esforços nem investimentos. Mais uma maneira de arrancar dinheiro do motorista. 

Na mesma linha, noticiou-se que os limites de velocidade nas vias centrais de São Paulo (normalmente congestionadas) também serão reduzidos, para "proteger aqueles mais vulneráveis no trânsito, como pedestres e ciclistas". O mais impressionante é que os argumentos são apresentados sem nenhuma fundamentação técnica, não é mostrada nenhuma evidência estatística da correlação entre os acidentes alegados e a velocidade dos veículos. Vai haver, isso sim, mais multas, e mais arrecadação.

O estereótipo do "brasileiro cordial" é verdadeiro, em parte devido ao desconhecimento dos seus direitos e do respeito que lhe é devido como cidadão - desta forma, ele fica vulnerável aos "espertos" e às "autoridades" em geral, que se aproveitam disso. A exploração do motorista brasileiro é apenas a ponta do "iceberg".

Como disse Cícero, e poderíamos parafrasear agora: "Quousque tandem abutere, Catilina, patientia nostra?"

* Ronaldo de Breyne Salvagni - Professor Titular e Coordenador do Centro de Engenharia Automotiva da Escola Politécnica da USP e conselheiro da Associação Brasileira de Engenharia Automotiva

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