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Sem destino ou sem moleza?

Harley-Davidson, a fabricante de motocicleta mais marrenta do mundo, encara um adversário duro na queda: o dólar

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Por Redação
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Não é fácil encontrar motoqueiros cabeludos na concessionária Harley-Davidson de Tribeca, uma área elegante em Manhattan. Metade da loja é dedicada a roupas femininas e a um café que vende doces refinados. Para os que cultivam as tradições mais abrutalhadas da marca, os únicos consolos são mesmo as motos, com suas peças cromadas e muito couro, além de uma vendedora tatuada que diz trabalhar à noite num bar heavy-metal.

Até algum tempo atrás, a Harley-Davidson era o Partido Republicano da indústria automotiva. Entre os seus clientes nos Estados Unidos, talvez dois terços sejam homens brancos e grisalhos. Mas, ao contrário dos republicanos, a fabricante de motocicletas se esforçou por conquistar adeptos em outros segmentos sociais. O mesmo fizeram as concessionárias que vendem seus produtos em Tribeca e em outros lugares. Assim como seus tradicionais transatlânticos sobre duas rodas, a marca agora oferece modelos mais ágeis, que são mais fáceis de guiar, se a pessoa é mulher - e mais fáceis de comprar, se a pessoa é jovem. Essas motos esportivas foram responsáveis por um quinto das vendas da empresa em 2014. Na Índia, China e Vietnã, elas vendem como água.

Valorização do dólar pode levar Harley-Davidson a fechar este ano no vermelho Foto: Divulgação

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Dificilmente há exemplo melhor de como a indústria americana é capaz de se adaptar e partir para a briga mundo afora do que a Harley-Davidson. Até o terceiro trimestre de 2014, a fabricante de motos vinha no maior embalo. Mas então trombou com algo mais sólido e veloz do que uma Fat Boy: o dólar. A moeda americana se valorizou 18% ante uma cesta de moedas utilizadas no comércio exterior. Variações cambiais afetam as empresas de três maneiras: alterando a taxa por meio da qual as vendas externas são convertidas em dólar; criando desequilíbrios financeiros e alterando o comportamento dos concorrentes. Às vezes é um baque e tanto, como mostra o caso da Harley-Davidson.

Começando pelo impacto da conversão: no primeiro trimestre deste ano, as vendas em dólares da empresa caíram 3%, na comparação com igual período de 2013. Se não tivesse havido flutuações cambiais, o resultado teria permanecido estável. Quase todas as companhias americanas do setor industrial estão nesse barco, ainda que o impacto da trombada varie de acordo com a extensão de seus braços externos e as moedas em que operam. Para as grandes empresas, medidas pelo índice S&P 500, as vendas caíram de 2% a 3% entre janeiro e março de 2015; trata-se da pior retração desde a crise financeira de 2009, segundo a companhia de análises Factset. O dólar explica muito dessa desaceleração.

A dor de cabeça com os desequilíbrios financeiros é ainda maior. As maiores companhias americanas levaram fatias consideráveis da produção para mais perto de seus consumidores globais, em parte para que seus custos e faturamento estivessem denominados na mesma moeda. Exemplo: o conglomerado industrial Emerson tem 85% dos custos concentrados na mesma região em que são vendidos os bens que esses custos permitem produzir.

Mas, no caso das empresas de pequeno ou médio porte, as plantas industriais estão, em sua maioria, concentradas em solo americano, mesmo que parte da produção seja exportada. Quando o dólar se valoriza, os custos permanecem constantes, mas as vendas caem, comprimindo as margens. A Harley-Davidson fabrica a maioria de suas motos em Wisconsin, no Missouri e na Pensilvânia, ao passo que um terço de seu faturamento é gerado no exterior. A companhia prevê uma queda em sua margem bruta neste trimestre. As operações externas produziram um equilíbrio suado em 2014. Este ano, talvez deem prejuízo. Concorrência. A consequência menos previsível das grandes variações cambiais é seu efeito sobre o comportamento dos concorrentes. As principais rivais da Harley-Davidson são empresas europeias e japonesas, com plantas industriais concentradas, na maior parte dos casos, em seus países de origem. Isso significa que o faturamento delas foi às nuvens e suas margens são cada vez maiores, graças ao dólar. Algumas resolveram aproveitar os lucros para dar início a uma guerra de preços em território americano, fazendo com que eles caíssem 25%. Resultado: a Harley-Davidson espera sofrer uma redução na fatia que detém no mercado doméstico.

Harley-Davidson fabrica a maioria de suas motos em Wisconsin, no Missouri e na Pensilvânia, ao passo que um terço de seu faturamento é gerado no exterior

Qual é a maneira correta de enfrentar essas dificuldades? Os investidores geralmente exigem uma reação imediata. No caso da Harley, a abordagem mais conveniente seria reduzir preços para manter a participação de mercado. A empresa tem uma divisão financeira que poderia afrouxar as regras de concessão de crédito, de modo a subsidiar os clientes. A fim de tranquilizar os acionistas, a companhia poderia enxugar o orçamento de pesquisa e desenvolvimento, cortar investimentos e se comprometer com um programa maior de recompra de ações. Excluindo-se o braço financeiro, a empresa não tem dívidas líquidas no balanço.

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Matt Levatich, o novo presidente da Harley-Davidson, nutre por essa abordagem o mesmo grau de respeito que um membro do Hell’s Angels tem por uma lambreta italiana. O pensamento de curto prazo é um problema contra o qual ele diz lutar diariamente. Sua intenção é continuar investindo, não mexer nos preços e aguentar o tranco. O peso da marca e o bom desempenho nos últimos tempos farão com que Wall Street lhe conceda um voto de confiança. Mas se de fato estivermos no início de uma nova era de dólar valorizado, a Harley-Davidson terá de avaliar a possibilidade de transferir sua produção para o exterior - e o mesmo se aplica a outras companhias industriais americanas.

© 2015 THE ECONOMIST, TRADUZIDO POR ALEXANDRE HUBNER, PUBLICADO SOB LICENÇA. O ARTIGO ORIGINAL, EM INGLÊS, PODE SER ENCONTRADO EM WWW.THEECONOMIST.COM

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