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Jornalista e colunista do Broadcast

Opinião|Sem refúgio à crise

À procura de retornos elevados, avaliação do capital estrangeiro é relativa

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Atualização:

A elevada liquidez nos mercados globais e a busca sedenta por taxas de retornos mais altas das aplicações financeiras estão levando os investidores a ignorar os riscos políticos crescentes em países emergentes.

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E essa postura não só alivia a pressão para a saída voluntária ou forçada dos líderes desses países, como também diminui o incentivo para uma solução mais rápida da turbulência política ou institucional.

Na Turquia, um polêmico plebiscito em abril ampliou significativamente os poderes do presidente Recep Tayyip Erdogan, menos de um ano após uma tentativa de golpe militar. Também em abril, a África do Sul registrou grandes manifestações após o presidente Jacob Zuma ter demitido vários ministros, em particular o de Finanças, levando o país a perder o grau de investimento de sua classificação soberana de risco pela agência de rating Fitch.

E no Brasil, o presidente Michel Temer é investigado por corrupção passiva, obstrução de Justiça e organização criminosa e ninguém ainda sabe ao certo se ele sobreviverá ou não à crise política.

E o que dizem os preços dos ativos desses países? O contrato de 5 anos de Credit Default Swap (CDS), que é um seguro contra um eventual calote da dívida, do Brasil, por exemplo, chegou a bater 269 pontos-base no dia seguinte à publicação na imprensa de trechos da delação de Joesley Batista, dono da JBS, incluindo a existência de áudios de uma conversa com o presidente Temer. Na manhã de ontem, o CDS do Brasil estava negociado a 237 pontos, ainda cerca de 15% abaixo do nível registrado no última sessão de negócios de 2016.

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Na Turquia, o CDS de 5 anos, que havia superado 243 pontos antes do plebiscito que ampliou os poderes de Erdogan, cedeu para 197 pontos. No acumulado de 2017, o CDS turco acumula queda de 28%. Na África do Sul, esse seguro contra eventual calote disparou para 233 pontos logo após a demissão do ministro de Finanças pelo presidente Zuma. A turbulência política prossegue no país africano, especialmente após Zuma ter sobrevivido a uma moção de desconfiança proposto pelo próprio partido dele, o Congresso Nacional Africano (ANC, na sigla em inglês) e mesmo assim o CDS da África do Sul está em 188 pontos.

No câmbio, outro termômetro de percepção de risco, o dólar fechou abaixo de R$ 3,27 na segunda-feira, após ter registrado a terceira maior alta da história frente ao real no dia 18, quando subiu 8,07% a R$ 3,3868, no auge do estresse da crise política que envolve o governo Temer. Em relação ao rand da África do Sul, o dólar acumula queda de 5,5% neste ano, apesar de toda a turbulência política naquele país.

E por que o câmbio e os outros termômetros de risco seguem ainda sob controle apesar de tanta incerteza do cenário político no Brasil, na Turquia e na África do Sul?

Primeiro, as taxas de juros básicas nesses países são tão elevadas que os tornam irresistivelmente atrativas para o capital estrangeiro apesar de todo o risco político.

No Brasil, o Banco Central deve anunciar hoje um novo corte da taxa Selic, de 1 ponto porcentual conforme as apostas do mercado, para 10,25%. No início de outubro do ano passado, a Selic estava em 14,25%. Mesmo com essa redução, os juros no Brasil ainda estão entre os mais elevados do mundo e, com a desaceleração mais rápida do que o esperado da inflação, o retorno dos ativos brasileiros fica mais vantajoso. Na Turquia, a taxa básica de juros está em 8%. Na África do Sul, em 7%.

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Segundo, os países desenvolvidos também passam por turbulência e incertezas políticas, haja vista as denúncias e os escândalos envolvendo o presidente americano Donald Trump, sem contar com o avanço dos partidos de extrema direita nas disputas eleitorais na Europa.

Assim, do ponto de vista absoluto, as crises políticas nos países emergentes assustam os investidores. Mas num mundo abarrotado de dinheiro disponível à procura de retornos mais elevados, a avaliação do capital estrangeiro não é absoluta e sim relativa. E relativamente aos emergentes, os mercados desenvolvidos, comos Estados Unidos e a Europa, não mais oferecem um refúgio a tempestades políticas.

*É COLUNISTA DO BROADCAST

Opinião por Fábio Alves

Colunista do Broadcast

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