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Jornalista e comentarista de economia

Opinião|Sem tração

O varejo não anima e a sinalização é de que o crescimento do PIB não alcançará nem os 3,0% antes projetados

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Atualização:

Os dados mais recentes ainda são de fevereiro – e já estamos em meados de abril –, mas o movimento do comércio varejista persiste decepcionante quando comparado com as expectativas levantadas no final do ano passado.

Em fevereiro, havia recuado 0,2%, quando os analistas projetavam avanço de pelo menos 0,4% (veja o gráfico). O comportamento do varejo ampliado (que inclui veículos e materiais de construção) segue na mesma toada: -0,1%.

Vendas do varejo restrito acumularam crescimento de 2,3% no ano Foto: Daniel Teixeira/Estadão

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Seria bom se a gente pudesse restringir essa nova má fase apenas a fevereiro, mês curto e de carnaval. Mas pelos indicadores mais recentes e ainda parciais, as vendas seguem sem tração, contra a expectativa generalizada.

Pergunta obrigatória é: por que há baixo desempenho quando um bom número de fatores deveria puxar em direção contrária? A inflação, por exemplo, está tão baixa como há muito não se via, de apenas 2,7% nos 12 meses terminados em março. É um indicador de que o poder aquisitivo da população está sendo bem menos ralado do que há alguns anos. Além disso, ao cabo de quase três anos de recessão, parecia que o consumidor estava mais disposto a tirar o atraso. O desemprego continua alto, mas não é mais alto do que estava no começo de 2017. Não há nenhuma indicação de que a disponibilidade de crédito tenha sofrido algum contratempo de peso. O excelente desempenho da agricultura puxa os serviços a partir do interior do País e, por esse lado, atiça o consumo geral. E, finalmente, a economia global passa bons sinais e ajuda a empurrar as exportações do Brasil.

São dois os fatores que podem explicar o breque de mão puxado. Um deles é o próprio desempenho fraco da economia. O consumidor tem medo de que o desemprego e algum vento contra possam comprometer seu futuro. Por isso, não se arrisca a uma compra mais alentada nem a aumentar seu endividamento.

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O outro fator tem a ver com o campo político-eleitoral. O quadro geral não está claro, as intenções de voto estão muito dispersas, especialmente depois do projeto Lula-lá ficar praticamente inviabilizado. Ainda não há candidaturas firmes, há vácuo de nomes, em especial no centro do espectro eleitoral, e as propostas de governo continuam vagas e muito fluidas, principalmente quando se procuram as posições em relação às reformas.

A falta de animação do consumidor aponta para algumas consequências: não dá mais para contar com crescimento do PIB de 3,0% ao ano. Como aponta o Boletim Focus, do Banco Central, o mercado já trabalhava com 2,7% ou 2,8%. Nas próximas semanas, as projeções podem recuar mais ainda.

Ainda está para ser visto o impacto dessa nova situação sobre a disposição de investir. Há enorme capacidade ociosa no setor produtivo e é provável que as empresas prefiram esperar mais, por maior clareza do quadro político, para desengavetar projetos de expansão.

O desempenho fraco não muda a velocidade com que o varejo muda de cara. O comércio eletrônico, a transformação das lojas de pontos de venda em showrooms, a criação de centros de estocagem e o intenso uso de aplicativos e de tecnologia da informação continuam a transformar o comércio, porque os hábitos do consumidor também mudam.

CONFIRA:

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» A alta do dólar

Por trás da alta do dólar está a percepção de que os riscos do mercado financeiro aumentaram com o discurso beligerante de Trump e Putin. Mas o presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, julgou importante lembrar o mercado de que tem farta munição (US$ 380 bilhões em reservas) para usar de maneira a evitar uma esticada exagerada. Ficaram claras duas coisas no Banco Central: (1) não quer que uma alta do dólar provoque novo surto de inflação; e (2) parece disposto a agir se as tensões persistirem.

Opinião por Celso Ming

Comentarista de Economia

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