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Ex-presidente do BC e sócio da Rio Bravo Investimentos

Opinião|Sete em cada dez

O populismo é uma torrente de bondades que sabidamente provoca inflação e recessão

Atualização:

Há um misto de excitação e angústia nesta antessala do ano em que vão ocorrer eleições destinadas a sanar, talvez, os ressentimentos políticos dos últimos anos e deslanchar a economia. A atmosfera está carregada de radicalismo e ainda são muitos os assuntos incompletos no terreno criminal, de sorte que as eleições devem curar, quem sabe, menos pelo consenso que pelo consentimento, ou pela obediência às sentenças judiciais e pela prevalência do ideal iluminista da igualdade diante da lei, um princípio que sempre enfrentou resistências neste reino de direitos adquiridos, cidadãos diferenciados e governantes não responsabilizáveis.

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Os desafios econômicos permanecem monumentais, mas parecem bem mais claros depois do fracasso épico da Nova Matriz Macroeconômica, uma espécie de 7 a 1 do pensamento nacional-inflacionista. Os consensos econômicos parecem tão evidentes, com as exceções de praxe, que mesmo um governo ideologicamente inodoro, como o de Michel Temer, pôs-se a executar pautas reformistas e a celebrar os feitos do Banco Central. No campo fiscal, todavia, parece haver certo cálculo em fracassar lutando.

As pesquisas de intenção de voto, como é habitual a esta distância das eleições, trazem mais dúvidas do que certezas. Algo como 2/3 dos eleitores pesquisados pelo Datafolha ao final de novembro não têm candidato ou tampouco pretende. Nenhuma surpresa que as rejeições sobrepujem as vontades e que o jogo esteja ainda muito aberto.

Mais curioso, mas também não surpreendente, é o levantamento do Datafolha, feito em dezembro, pelo qual se encontrou que sete em cada dez brasileiros se opõem à privatização de estatais, mesmo depois do Petrolão e considerando que onze em cada dez brasileiros possuem telefone celular. Mas o paradoxo é apenas aparente. Muito provavelmente uma pesquisa desse tipo, por exemplo, sobre a política monetária, mostraria níveis de desaprovação para os juros altos e para o ajuste fiscal abissais como os de Michel Temer. Nada de novo: uma coisa é o tratamento, os remédios e a cirurgia, outra é a saúde. Entre eles está a medicina e suas complexidades.

Se fôssemos consultar o Datafolha para fazer o Plano Real íamos descobrir, segundo repetidamente nos advertiam, que sete em cada dez brasileiros queriam congelamento de preços, conversão de salários pelo pico, aumento real expressivo no salário mínimo e nos benefícios da previdência, além de juros e câmbio ao gosto dos dirigentes da Fiesp. Ia ser o Plano Cruzado pela sexta vez, ou mais, até acertar.

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É fácil falar a posteriori, uma vez assegurados os resultados, que a estabilidade monetária trazida pelo Real foi uma conquista do povo. Entretanto, na hora de fazer, cada uma das ideias da equipe econômica parecia contrária à vontade do povo, conforme seus inúmeros intérpretes autoproclamados. 

As pesquisas sobre como o povo enxerga as medidas necessárias para a economia invariavelmente levam ao populismo. Uma piada paradoxo do filósofo Slavoj Zizek ilustra muito bem o problema: um rapaz procura uma chave perto de um poste de luz.

Quando lhe perguntam onde a perdeu, ele diz que foi em uma esquina mal iluminada. Então por que está procurando ali, debaixo da luz? Porque a visibilidade é bem melhor, ele responde. Assim funciona o populismo, explica o filósofo: as respostas simples e inteligíveis para os problemas são sempre muito mais visíveis e atrativas que os complexos processos sociais e econômicos. 

Em seu formato mais inofensivo o populismo é uma torrente de bondades fiscais que sabidamente provoca inflação e recessão. A variante mais perigosa, no entanto, é a que apela ao confronto e identifica vilões. Zizek dá como exemplo a perseguição aos judeus, frequentemente apontados como culpados pelas mazelas da economia. Mas é fácil ver que pelo mesmo caminho são desancadas as “elites brancas”, o “capital financeiro”, e também a “desordem”, e as autoridades “frouxas” diante de bandidos. Ou tudo isso junto, ou misturado.

Felizmente, todavia, a julgar pelas pesquisas, pouco menos de sete em cada dez eleitores não querem nada disso. Até o momento.

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Opinião por Gustavo Franco
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