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Tecnologia asiática busca espaço no Brasil

Da internet aos aplicativos, grupos asiáticos chegam ao País para disputa mercado

Por Nayara Fraga
Atualização:

O japonês Kenji Kuboshima esteve no Brasil recentemente para tentar desvendar a relação do brasileiro com os smartphones. Durante 20 dias, ele andou entre Rio e São Paulo, com um celular Android no bolso (plataforma predominante no País) e chip local, a fim de testar o 3G do País e cumprir uma maratona de reuniões com operadoras, fabricantes de smartphones e até agências de marketing digital.

A conexão à internet móvel deixou a desejar, e parceria com tele é complicada. Mas, ainda assim, ele julga valer a pena abrir no País uma operação do aplicativo de mensagens instantâneas Line.

A visita de Kuboshima põe em evidência um cenário que se intensifica no Brasil: o aumento do interesse de empresas asiáticas de internet pelo mercado do País. Depois da chegada do site de e-commerce japonês Rakuten (presente no Brasil há um ano), e do Alibaba.com (em atividade há dois anos), é possível perceber um movimento de companhias orientais online em direção ao Brasil.

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A sul-coreana Kakao Talk, dona de um aplicativo similar ao Line, abriu operação em São Paulo há cerca de três meses - sua primeira unidade no ocidente. O buscador Baidu, equivalente ao Google na China, também deve iniciar suas atividades em breve (há um ano, o alagoano Wesley Barbosa foi escolhido para iniciar a operação da companhia no Brasil). Além dessas, há a desenvolvedora de games Gree, do Japão, que aportou no Brasil em 2012. E, segundo executivos japoneses, há outras empresas do país de olho no Brasil.

O despertar da atenção oriental pelo universo online brasileiro se dá pelo menos por duas razões. A primeira delas está ligada ao tamanho do mercado. O Brasil tem 94 milhões de usuários de internet e 132,9 celulares para cada 100 habitantes. A maioria ainda possui feature phone (aparelhos mais simples, sem sistema operacional), mas a expectativa é de que os smartphones virem esse jogo no fim deste ano ou no início de 2014. Trata-se de uma região que representa um enorme potencial para mercados saturados como a Coreia do Sul, que já tem boa parte da população imersa no universo dos celulares sofisticados - o que também significa, portanto, já haver uma visível preferência do usuário por determinados aplicativos.

No segmento dos aplicativos de mensagens instantâneas, o WhatsApp é o mais famoso no mundo ocidental. Mas as estimativas são de que o aplicativo tenha 3 milhões de usuários no Brasil. É um número baixo perto da projeção da consultoria IDC de que o País termine o ano com 28 milhões de smartphones. "É um momento muito bom para entrar no Brasil, pois este mercado (de smartphones) está em estágio muito inicial", diz Maurilio Shintati, consultor-executivo da KakaoTalk no País. O alto custo para enviar SMS, por um lado, e o gosto do brasileiro por redes sociais, por outro, são alguns dos fatores que fazem a empresa apostar no alcance de 10 milhões de usuários até o fim de 2013.

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Estabilidade.

O segundo fator que atrai os orientais é a estabilidade do mercado. "A percepção geral no Japão é de que a economia brasileira está estável. E, para oriental, é melhor investir em um mercado assim do que em um que vive crescimento superacelerado", diz Ricardo Ikeda, presidente da Rakuten no Brasil. Ele lembra também que os japoneses fazem planejamentos de longuíssimo prazo, calculando possíveis riscos. O plano de negócios que continha a expansão internacional da empresa, por exemplo, contemplava o período de 2008 a 2020. No ocidente, os planejamentos usualmente consideram os três ou cinco anos seguintes.

Por isso, o crescimento arrastado da economia, evidenciado pelo fraco resultado do PIB do primeiro trimestre (de 0,6%), não gera muita preocupação porque o futuro enxergado por eles é de um grande mercado de consumo ativo e também de um Brasil mais exposto ao exterior. A operação do Alibaba.com no Brasil, por exemplo, é a que mais cresce na América Latina. O site funciona como um canal de venda entre o empresário e outros países. A Ludatrade, que representa a marca no País, diz que o desempenho das operações do site vai, inclusive, contra os argumentos de que o País está se desindustrializando.

O entusiasmo dos asiáticos com o Brasil também é percebido pela IDC. Bruno Freitas, analista de mercado da consultoria, diz que, nos últimos dois anos, passaram a ser mais frequentes as reuniões com executivos de empresas orientais que procuram entender melhor o País. "E não apenas no segmento de internet."

Na área de fabricação de aparelhos, há asiáticas investindo pesado no Brasil. A Sony pretende aportar R$ 500 milhões no País até 2014. A Samsung aumentou sua participação no mercado nacional de 9,6% para 42,4% entre 2010 e 2012, e vem diminuindo o intervalo entre o lançamento dos dispositivos no exterior e no Brasil.

Mas os olhos mais atentos ao Brasil não são resultado apenas das condições favoráveis do mercado nacional. Há também uma predisposição muito maior por parte dos orientais em expandir seus negócios para outros mercados. Quem observa de perto o Japão sabe que por muito tempo vigorou por lá a cultura de abrir uma empresa com a ambição de ser líder apenas no país - como costuma ocorrer no Brasil.

Agora, nota-se que há um desejo forte de internacionalização. O Line foi fundado em 2011 e em 2012 já estava na Espanha. Em cinco meses, o aplicativo conquistou 10 milhões de usuários no país. Cerca de 160 milhões de pessoas usam o aplicativo hoje em todo o mundo.

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A expansão global da companhia, que é controlada pela NHN (equivalente ao Google na Coreia do Sul), inclui também Índia, Alemanha e Estados Unidos.

Mas a disposição oriental para entrar no ocidente, por si só, não é o suficiente para garantir os milhões de fãs desejados. As diferenças culturais e os percalços impostos por cada mercado assustam. No Brasil, fora a burocracia do ambiente de negócios, ninguém entrega o cartão de visitas com duas mãos ou dá presente no fim da reunião para demonstrar respeito. A língua - assim como a de todos os outros lugares a que o Line pretende chegar - é completamente diferente. Kuboshima, aliás, dependeu de um tradutor durante todo o tempo em que esteve aqui. E os stickers (desenhos compartilhados dentro do aplicativo) são eminentemente japoneses.

A assimilação dessas diferenças por ambas as partes, no entanto, não pode ser tão difícil. Na Rakuten do Brasil, os 150 funcionários (dos quais 148 brasileiros) limpam suas próprias mesas toda segunda-feira, religiosamente. E a língua oficial nas reuniões da companhia é o inglês. O arigatô é substituído pelo thank you.

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