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Tributação confusa afeta competitividade

Principais problemas são critérios desiguais para cobrança de impostos entre Estados e falta de mecanismo de ressarcimento de créditos

Por MÔNICA COSTA
Atualização:
Se boiada vai para Estado que não cobra ICMS, criador não tem retorno do tributo Foto: Dida Sampaio/Estadão

A desorganização generalizada do sistema tributário brasileiro faz, também no campo, as suas vítimas. A tão sonhada reforma tributária, que depende de definições políticas e da resolução entre os diversos interesses envolvidos na trama, porém, está longe de ser levada a cabo. Enquanto isso, o País se destaca como detentor de uma das mais elevadas cargas tributárias do mundo. Em 2013, por exemplo, os impostos consumiram 36,4% de toda a riqueza produzida no País.

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"Quando o agricultor planta arroz, milho ou trigo, precisa pagar o imposto embutido nos fertilizantes, nas máquinas agrícolas, nos defensivos, o que aumenta o custo da cultura em até 30% antes da colheita", descreve o assessor jurídico da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul), Antônio da Luz. "Nossos concorrentes compram insumos por valores menores porque não pagam tributo sobre a produção."

Custo adicional. De acordo com o Sistema Farsul, na safra 2014/2015, os produtores terão um custo de R$ 49,5 bilhões para plantar suas culturas, estimativa baseada em estudo encomendado pela Farsul para avaliar o peso da tributação no período em questão.

Conforme o presidente do Conselho Superior e coordenador de Estudos do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), Gilberto Luiz do Amaral, os constantes aumentos da carga tributária deixam bem clara a dificuldade que o Brasil tem de expandir o seu comércio exterior e também de incentivar a produção nacional. "Competir no mundo globalizado com uma carga tributária tão alta é o mesmo que colocar um lutador de sumô para disputar os 100 metros rasos em uma olimpíada", compara.

"Vivemos em um Estado gastador que faz massivas transferências de renda de forma pouco inteligente e que mata os setores produtivos", sintetiza o mestre em economia e coordenador do Pensa - Centro de Conhecimento em Agronegócios da Universidade de São Paulo (Pensa-USP), Décio Zylberstajn. Neste crescimento desmedido do sistema tributário, "o setor produtivo não pode ser punido", diz Zylberstajn. "O Estado deve ser menos vil e criar um sistema, por meio da tecnologia da informação, por exemplo, para fiscalizar e restituir os contribuintes de forma eficiente."

Nota eletrônica. Para o economista e consultor tributário Mauro Gallo, efetivamente, não se pode diminuir a arrecadação enquanto o Estado não reduzir seus gastos. "Uma reforma tributária deve deixar claro o que está sendo pago e para onde serão destinados os recursos", define. "A emissão, por exemplo, da nota fiscal eletrônica em larga escala deve reduzir os riscos de sonegação e, com maior arrecadação, o Estado pode reduzir a carga tributária", diz Gallo.

O imbróglio é emblemático principalmente em relação ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), do qual a agricultura e a pecuária não se eximem. O ICMS é um imposto não cumulativo, ou seja, se ele é cobrado numa determinada etapa da cadeia produtiva, deve ser descontado nas seguintes.

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Se um pecuarista, por exemplo, tem fazenda em Mato Grosso do Sul e vai abater seu gado no Estado vizinho, o Paraná, precisa recolher o ICMS. O valor recolhido, que deveria, segundo a legislação tributária, retornar para o criador na fase seguinte, quando a boiada é vendida para o frigorífico, não volta, pois, no Paraná, não há incidência do imposto nesta transação. Teoricamente, o pecuarista pode acumular créditos - que não têm sido descontados, pela impossibilidade legal.

Entrave. A demora para a recuperação de créditos de tributos indiretos como o próprio ICMS, além do PIS/Cofins (Programa de Integração Social e Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social) e também o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) é, certamente, na visão do advogado tributarista e membro da Comissão de Tributação da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), Adelmor Gheler, "um dos principais entraves enfrentados pelo setor".

"Essa circunstância é resultado do viés exportador adotado pelo sistema após a promulgação da Lei Kandir, em 1996, que desonera os produtos que seguem para o mercado externo, mas não prevê o mesmo benefício para os elos anteriores da cadeia", explica o advogado. "As exportações estão desoneradas da tributação indireta, mas as etapas anteriores com insumos, como matérias-primas, produtos intermediários, materiais de embalagem, energia elétrica e serviços ainda são, em grande parte, oneradas por estes impostos", continua o advogado da Abiove.

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Processamento. A situação é observada tanto nas empresas processadoras de matérias-primas quanto nas empresas que adquirem produtos no mercado interno e os exportam sem processamento. Há segmentos, como as empresas que produzem óleos e farelos a partir do processamento de soja, milho e caroço de algodão, que, além do acúmulo em função de exportações, também aglomeram créditos fiscais em função das vendas para o mercado interno.

"Não se cobram estes impostos do óleo e do farelo de soja, mas eles são mantidos nos serviços para transporte, combustível e embalagem do produto. Esses créditos ficam parados até que haja a auditoria e o ressarcimento. Como não há um sistema eficiente para a recuperação destes créditos, o produtor perde a competitividade porque não consegue impor preço, sujeito às variações do mercado internacional", diz Gheler.

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