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‘Trump alavanca China entre emergentes’, diz Monica de Bolle

Para economista, influência do país asiático no Brasil e na América Latina, que já é relevante, deve se acelerar

Por Alexa Salomão
Atualização:
Para o Brasil, sem grandes chances de negociação com EUA e Europa, a melhor saída seria trabalhar com os paízes vizinhos, avalia Monica. Foto:

Para a economista Monica de Bolle, os emergentes devem se preparar para dias piores para o comércio internacional. O pacote tributário de Donald Trump, o novo presidente dos Estados Unidos, tem grandes chances de atrair investimentos e inibir as importações por lá. Isso não significa o fim da globalização, mas indica uma nova etapa, que terá a China como protagonista. “Se a globalização passar a ser chefiada pelos emergentes, ela continua”, diz Monica. A seguir, os principais trechos da entrevista que concedeu ao Estado, por telefone, de Washington, onde mora.

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O que se pode esperar para a economia internacional quando o presidente da China defende a globalização e o dos Estados Unidos, o protecionismo?

Virou tudo de cabeça para baixo, né? A gente não sabe exatamente que tipo de globalização a China defende, porque ela tem seus interesses, mas claramente existem divergências grandes entre países avançados e emergentes. A questão vai além dos Estados Unidos. Tivemos também o Brexit (saída do Reino Unido da União Europeia). Temos movimentos nacionalistas na Europa e todos, por serem nacionalistas, são protecionistas e antiglobalização. Vamos lembrar que globalização não é apenas fluxo de bens, serviços e transações financeiras, mas também de gente.

Por que a reação dos emergentes é diferente?

Todos os estudos empíricos, quer sejam acadêmicos ou de organismos multilaterais, como o Banco Mundial, mostram com muita clareza que o processo de integração comercial, financeira e de pessoas foi especialmente benéfico para os emergentes. Alguns se beneficiaram mais – e a China foi um deles. Os emergentes estão perplexos com essa rejeição imensa e como isso vai afetar o seu crescimento e o crescimento do mundo. É uma situação complexa. É difícil de prever resultados.

A sra. define Trump como um populista, sem orientação política, e diz que todo populista é gastador. Quais os efeitos para o mundo de se ter um populista gastando mais nos EUA?

O populista existe à esquerda e à direita. O que muda é a retórica. O de direita tem essa coisa nacionalista, é contra a imigração. O populista de esquerda clássico, latino-americano, defende os mais pobres. Retórica à parte, as políticas econômicas são parecidas e envolvem expansão fiscal. O que foi dito que se pretende fazer nos EUA é uma mudança bastante radical na estrutura tributária.

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De que maneira?

A proposta incluiria redução forte do imposto corporativo, que aqui basicamente é o Imposto de Renda sobre Pessoa Jurídica. Querem uma redução expressiva da alíquota média de 35% para 20%. É possível que haja um ajuste no imposto de importação na fronteira – o border adjustment tax, chamado de BAT. Tecnicamente é um pouco complicado, mas, na essência, tributaria as importações. Sem que se tenha clareza de como será instituído o BAT, não dá para saber o tamanho da perda de receita do governo. Há muita discussão aqui sobre como essa reforma tributária afetaria a taxa de câmbio, o dólar. Há quem diga que não terá efeito prático. Mas há dúvidas. No Peterson Institute, onde eu trabalho, estamos fazendo uma série de estudos tentando ver se haveria efeitos e quais seriam as possíveis reações do câmbio.

A proposta parece o pior dos mundos para os emergentes.

Sim. É o pior dos mundos. E o melhor termômetro para o efeito disso sobre a América Latina, a região mais dependente dos Estados Unidos, é o México. Um número grande de empresas está no México para exportar para os Estados Unidos. As projeções de crescimento vêm caindo sistematicamente. No início do ano passado, previam crescimento de 3% este ano. Hoje, as previsões já estão próximas de 1,5%. Já tem analista no México prevendo recessão neste ano.

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Qual o cenário para o Brasil?

As empresas instaladas no Brasil têm uma particularidade: não exportam para os Estados Unidos a partir do Brasil. Sendo o Brasil o país complicado e fechado que é, elas estão aí para explorar o mercado interno. O Brasil não sofreria do mesmo problema do México. Mas o mercado interno no Brasil não atrai neste momento. Mesmo com a perspectiva de melhora no longo prazo – porque as empresas olham mais adiante para tomar decisões –, ainda assim a política de Trump pode fazer com que as empresas americanas priorizem investir nos Estados Unidos.

Parte da estratégia do governo atual é acelerar abertura comercial para ajudar na recuperação. Isso fica comprometido, então?

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Sei que há alguns grupos de trabalho no Brasil pensando em fazer algum tipo de acordo bilateral com os Estados Unidos. É uma iniciativa importante, mas não é o melhor momento para tentar sair do isolamento. Quem pensa em acordos nessa administração pensa em acordos Norte-Norte, e não Norte-Sul. O tipo de gente que Trump colocou no Departamento de Comércio vai trabalhar para que os interesses americanos prevaleçam.

O que lhe parece o time econômico dele?

Tem apenas um economista, Peter Navarro, que ficou com a direção do Conselho Nacional de Comércio – e esse cara é anticomércio e antiChina. Wilbur Ross, secretário de Comércio, é do setor de aço.

O chamado rei da bancarrota?

Sim. Ele é aquele cara que compra empresas falidas. A mesma coisa que Steven Mnuchin, o eventual secretário do Tesouro, faz. Essas pessoas são investidores, que sempre negociaram em posição de vantagem absoluta, comprando empresas falidas. É importante que fique claro: não são acostumados a uma negociação normal. Robert Lighthizer, escolhido como representante de Comércio, é um crítico de acordos comerciais. Diz que tudo precisa ser revisto. Ou seja, a estratégia dessa gente é maximizar tudo para os Estados Unidos.

Qual é a saída, então?

Sem grandes chances de negociação com os Estados Unidos ou com a União Europeia, a melhor estratégia é trabalhar com países da região, que vão começar a ter lacunas comerciais sérias, como o México.

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É o fim da globalização?

Não. Passamos 30 anos construindo um mundo mais conectado. Esses laços não se desfazem com um mandato presidencial, com o Brexit. Trump está iniciando um redesenho das relações globais e das relações entre os emergentes. Se a globalização passar a ser chefiada pelos emergentes, ela continua. E não há nenhuma dúvida – zero dúvida – de que a postura de Trump alavanca a China na geopolítica internacional, especialmente entre emergentes. A China já é o maior parceiro do Brasil, tem presença importante na América Latina, imensa influência na Ásia. Esse redesenho já vinha ocorrendo. Com Trump, se acelera.