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Um largo impacto

O que a expansão do Canal do Panamá, inaugurada no domingo, significa para o comércio mundial

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Por Redação
Atualização:

No mercado de peixe da Cidade do Panamá, os funcionários discordam sobre os benefícios da recém-concluída ampliação do canal artificial que corta o país, ligando o Oceano Atlântico ao Pacífico. Com otimismo, um deles diz ter esperanças de que o governo aumente sua arrecadação e possa finalmente instalar um sistema de ar-condicionado no mercado, aliviando o calor escaldante que faz no lugar. Outro funcionário passa o dedo pela garganta e diz: “Para o povo não vai fazer diferença”.

Um terceiro qualifica o projeto como “a maior oportunidade” do Panamá. Esse último veredicto coincide, sem dúvida, com a visão que o governo panamenho tem da coisa. Projeções indicam que as receitas geradas pela Autoridade do Canal do Panamá (ACP) devem dobrar, passando a abastecer os cofres públicos com uma soma anual de aproximadamente US$ 2 bilhões até 2021. Eis um país que sabe aproveitar as vantagens de sua geografia.

Expansão aumenta a capacidade para 1,7 bilhão de m3 Foto: Johan Ordonez|AFP

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Custo. A ACP poderá cobrar mais caro pela travessia de navios de maior porte, agora que novos e colossais sistemas de eclusas foram instalados em ambas as extremidades da hidrovia, cujo leito também foi alargado e aprofundado. A obra de US$ 5 bilhões foi inaugurada no dia 26, com a primeira travessia oficial. O alargamento da hidrovia começou a ser aventado ainda antes da 2.ª Guerra, mas ganhou urgência com o aumento no número de navios grandes demais para atravessá-la.

Em 2015, passaram pelo canal mais de 960 milhões de metros cúbicos em cargas, um volume recorde que, nas palavras de Francisco Miguez, da ACP, é “o máximo que conseguimos transportar com as eclusas atuais”. A expansão aumenta a capacidade da hidrovia para 1,7 bilhão de metros cúbicos. Os maiores navios de contêineres que podiam usar o antigo canal, conhecidos como “panamaxes”, têm capacidade para transportar cerca de 5 mil TEUs (sigla em inglês para a unidade de 20 pés de comprimento, por 8 de largura e 8 de altura, que são as medidas-padrão de um contêiner). Os “neopanamaxes” que passarão pelas novas eclusas têm capacidade de aproximadamente 13 mil TEUs. Ainda que os maiores navios do mundo consigam transportar 20 mil TEUs, a maior parte das embarcações que compõem a frota mercante mundial agora pode atravessar o canal.

A expansão não resultará apenas em receitas mais gordas para a ACP e o governo panamenho. Também terá impacto sobre as rotas usadas para transportar cargas ao redor do mundo. É possível que o Canal de Suez perca parte de seu tráfego. Navios de grande porte, que até agora utilizavam aquela passagem para fazer a rota entre a Ásia e a Costa Leste dos Estados Unidos, agora têm a opção de usar a hidrovia panamenha. Os portos da borda atlântica dos EUA devem ficar mais movimentados. Antes, muitos contêineres que vinham da Ásia, tendo como ponto de chegada a Costa Leste americana, eram desembarcados em portos como os de Los Angeles e Long Beach, na Costa Oeste, e de lá seguiam em caminhões ou vagões ferroviários até seu destino final. A partir de agora, os navios de grande porte também podem ir diretamente para os portos do Golfo do México ou da Costa Leste, ainda que isso implique em maior tempo de navegação. E os navios que transportam o gás natural extraído dos campos de xisto americanos finalmente poderão passar pelas eclusas panamenhas para ir até a Ásia. Projeções indicam que até 2020 esse tipo de transporte deve representar 20% do total das cargas que passam pelo novo Canal do Panamá.

Mudanças. Os portos da Costa Leste estão se preparando para a bonança, diz Mika Vehvilainen, da Cargotec, uma fabricante de equipamentos para a movimentação de cargas. Os Portos de Baltimore, Charleston, Miami, Nova York e Savannah estão reformando suas instalações para receber os neopanamaxes. A Autoridade Portuária de Nova York e New Jersey pretende investir US$ 2,7 bilhões na ampliação de seus terminais e vias de navegação, devendo gastar ainda US$ 1,3 bilhão para elevar em 20 metros a altura de uma ponte.

Por sua vez, os custos dos armadores tendem a cair, em parte graças a economias de escala, mas também porque, para receber os neopanamaxes, os portos começam a se automatizar, diz Kim Fejfer, presidente da APM Terminals, divisão portuária do dinamarquês Maersk Group, maior armador do mundo. Os portos do Golfo do México já vêm adotando essas novas tecnologias.

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Por outro lado, é possível que a redução nos custos não chegue a beneficiar os consumidores. O valor dos fretes já caiu bastante nos últimos dois anos – com a redução, em algumas rotas, chegando a 40% para contêineres e um pouco menos para as cargas transportadas a granel, como carvão. As iniciativas de consolidação, com que o setor de navegação deve reagir à pressão, talvez diluam os incentivos para passar adiante tais economias. No início do ano, os dois maiores armadores chineses se uniram para formar a quarta maior operadora do mundo. E outros armadores vêm costurando parcerias para lidar com a capacidade instalada. Em janeiro de 2015, os dois maiores grupos do mundo, Maersk e MSC, criaram a 2M, uma sociedade para compartilhar espaço em seus navios. Em maio deste ano, seis outros armadores, que detêm uma fatia de 18% do mercado mundial, juntaram-se para formar a Alliance. Agora circulam rumores de que está para surgir um novo colosso, reunindo vários armadores de médio porte.

A ampliação do Canal do Panamá talvez não refresque a vida dos suados peixeiros panamenhos. Mas certamente levará bons ventos a algumas áreas do setor de navegação. E serão suas maquinações internas que determinarão se os benefícios da redução nos custos chegarão ao bolso dos consumidores.

© 2016 THE ECONOMIST NEWSPAPER LIMITED. DIREITOS RESERVADOS. TRADUZIDO POR ALEXANDRE HUBNER, PUBLICADO SOB LICENÇA. O TEXTO ORIGINAL EM INGLÊS ESTÁ EM WWW.ECONOMIST.COM.

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