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Um país dividido

Reeleita, Dilma deve fazer apenas ajustes para evitar o rebaixamento da nota de crédito do País; na ausência de amplas reformas estruturais, o Brasil vai seguir derrapando

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Por Redação
Atualização:
Reeleita no último domingo, a presidente Dilma Rousseff estuda nova composição de governo. Foto: AFP

Foi uma jornada emocionante. Após uma disputa acirrada e provocativa, marcada por inúmeras reviravoltas, a presidente brasileira Dilma Roussef, de esquerda, foi reeleita no dia 26 de outubro para um segundo mandato de quatro anos com 51,6% dos votos válidos. Aécio Neves, da oposição de centro-direita, ficou com 48,4%. Essa é a quarta eleição presidencial seguida vencida pelo Partido dos Trabalhadores (PT). Mas a margem de vitória foi a menor da história eleitoral brasileira.

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Talvez a vitória de Dilma fosse inevitável. Apenas três presidentes latino-americanos perderam nas tentativas de reeleição nas três décadas mais recentes. Os pleitos favorecem os incumbentes,com todo o maquinário do poder e do clientelismo ao seu dispor. Dilma pode se gabar do baixíssimo desemprego, do aumento nos salários e da queda da desigualdade durante os mandatos do PT. Mas Aécio, considerado pela Economist o candidato mais bem preparado, disputou com ela corajosamente, apontando, com razão, que o progresso estagnou desde a primeira vez em que Dilma foi eleita, em 2010.

Por outro lado, a presidente vai liderar um país dividido. Ela conquistou uma ampla vitória em boa parte das regiões mais pobres do norte e nordeste - ajudada pela gratidão dos brasileiros menos abastados pelos populares programas sociais do PT, mas também pela alegação infundada feita pela campanha dela segundo a qual Aécio acabaria com esses mesmos programas. A maior parte das regiões mais ricas, ao sul, sudeste e centro-oeste, optou pelo rival dela, mais próximo dos mercados. Em São Paulo, que abriga um quinto da população do país e responde por um terço de sua economia, ele venceu por 64% a 36%; em toda a capital do estado os poucos fogos de artifício e a marcha celebrando a vitória de Dilma foram recebidos por um pesado silêncio. No sudeste Aécio perdeu no Rio de Janeiro e em Minas Gerais, segundo maior estado do país, governado por ele em dois mandatos sucessivos entre 2003 e 2010 - uma derrota inexplicável que pode ter custado a ele a presidência.

Em seu discurso de vitória Dilma falou em "união", "consenso" e "diálogo". Mas o trabalho de cicatrização das feridas da campanha começou mal quando Dilma nem sequer mencionou Aécio (que pouco antes tinha telefonado para parabenizá-la pelas eleições e desejar-lhe sucesso) ou seu Partido da Social-Democracia Brasileira (PSDB), de centro-direita. As cicatrizes são profundas. O antecessor e mentor político de Dilma, Luiz Inácio Lula da Silva, conhecido por seu estilo menos sofisticado, chegou a comparar o PSDB aos nazistas por causa do seu suposto desprezo pelos menos favorecidos. O PSDB, por sua vez, acusou repetidas vezes o PT de estar irreparavelmente mergulhado na corrupção, citando uma investigação em andamento envolvendo um esquema de repasse de dinheiro na Petrobrás, a gigante estatal do petróleo, que teria beneficiado o partido de Dilma e alguns aliados de sua coalizão.

Levando-se em consideração tanta acidez, o bipartidarismo parece ser uma perspectiva distante; lideranças do PSDB já indicaram que o partido perdeu a eleição porque sua oposição ao governo foi demasiadamente fraca nos anos mais recentes. Eles certamente pressionarão pela abertura de um inquérito parlamentar para o escândalo da Petrobrás. Esses e outros enfrentamentos iminentes não facilitam muito o tipo de amplo consenso que será necessário se Dilma pretende levar a cabo a primeira prioridade descrita no seu discurso de vitória: uma reforma política para tornar o país mais governável.

Mas, por enquanto, a disfunção só deve aumentar. A partir de janeiro o congresso vai abrigar 28 partidos, um aumento em relação aos 22 atuais, já difíceis de administrar. A fraca maioria dos votos obtida por Dilma - a mais baixa votação recebida por um governo eleito desde a restauração da democracia no país - tornará difícil a tarefa de reunir cabeças para fazer avançar mudanças significativas. A promessa dela de realizar um referendo para a reforma política merece crédito. Mas uma tentativa anterior, estimulada por imensos protestos que tomaram o país em junho de 2013 e pediam essa mudança, entre outras demandas, foi abafada por um congresso satisfeito com o arranjo atual.

Mais urgente, o Brasil precisa sair do pântano do crescimento nulo e da alta inflação, que chega a 6,7% ao ano. Para tanto, Dilma deveria adotar as ideias econômicas de Aécio, criticadas por ela durante a campanha como sendo responsáveis pelo alto desemprego, juros elevados e salários estagnados durante os mandatos anteriores do PSDB, de 1995 a 2002. Estas incluem menos interferência do governo na economia, retidão fiscal e independência do Banco Central, bem como reformas na impenetrável burocracia e no labirinto fiscal do Brasil. Nos anos 1990, longe de provocarem o caos como alardeia a campanha do PT, essas medidas ajudaram a estabilizar uma economia afetada pela hiperinflação e falta de competitividade, construindo os alicerces para as políticas sociais de Lula. Infelizmente, até o momento a presidente não chegou nem mesmo a reconhecer que o Brasil tenha problemas estruturais, que dirá agir para remediá-los. O empresariado que aguardava sinais de uma trégua no discurso de vitória de Dilma, para além das platitudes a respeito da necessidade de crescimento mais acelerado e apoio aos empreendedores, ficou desapontado.

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É provável que os mercados obriguem o país a fazer algum grau de ajuste fiscal. E talvez Lula ainda convença sua protegida a ser um pouco mais pragmática e menos hostil aos mercados, como foi o comportamento dele durante sua presidência de 2003 a 2010. Mas o mais provável é que Dilma simplesmente faça ajustes periféricos o bastante para evitar um doloroso rebaixamento na classificação de crédito do país. Na ausência de amplas reformas estruturais, o Brasil vai seguir derrapando, colocando em risco os empregos, a renda e até os tão queridos programas sociais do PT. A partir de agora, a jornada deve ficar mais turbulenta.

© 2014 The Economist Newspaper Limited. Todos os direitos reservados.

Da Economist.com, traduzido por Augusto Calil, publicado sob licença. O artigo original, em inglês, pode ser encontrado no site www.economist.com

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