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Economia e políticas públicas

Opinião|Um pouco menos frio

Boa notícia é que o choque político de maio não provocou recaída na recessão

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Atualização:

Passados três meses desde o torpedo que atingiu o governo de Michel Temer em 17 de maio, quando foi revelada a existência da gravação da conversa entre o presidente e Joesley Batista, pode-se dizer que há uma boa e uma má notícia em relação à economia brasileira.

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A boa notícia é que o choque político não provocou, como alguns analistas temiam, um novo mergulho na recessão. E a má notícia é que a retomada continua lenta, o que é particularmente sofrido considerando que, desde meados de 2014, o Produto Interno Bruto (PIB) recuou cerca de 7% e a taxa de desemprego saiu de 6,8% para 13%, chegando a um pico de 13,7% em março de 2017.

Uma batelada de dados e indicadores recentes – mercado de trabalho, crédito, índices que buscam antecipar o PIB, serviços e comércio – indica que a economia brasileira efetivamente está saindo da maior recessão em mais de um século.

Hoje, as projeções de crescimento do PIB no segundo trimestre giram em torno de zero, com algumas instituições apostando num número ligeiramente positivo. Para o ano fechado de 2017, o resultado tampouco deve ser muito diferente de zero. Já em 2018, a previsão é de crescimento, numa faixa que vai de aproximadamente 1,0% a 2,5%.

Os indicadores positivos recentes levaram a pequenos ajustes para cima na projeção de 2018 de alguns departamentos de análise econômica.

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Jankiel Santos, economista-chefe do banco Haitong no Brasil, diz que um crescimento em torno de zero este ano pode não traduzir muito bem a “sensação térmica” da economia no fim de 2017.

Santos explica com um exemplo hipotético (mas que pode não ser muito diferente do que vai ocorrer no Brasil em 2016 e 2017) no qual uma economia cai num ano e cresce no outro de forma perfeitamente simétrica, o que graficamente pode ser ilustrado com a letra “V”.

A medição do PIB anual é, na verdade, uma comparação entre a média de crescimento de um ano com a do ano anterior. No exemplo dos dois anos em “V”, a média em ambos os casos será o ponto médio de cada perna do “V” – em outras palavras, o crescimento do segundo ano é dado pela comparação entre dois números idênticos, e, portanto, é igual a zero. No entanto, ao fim do segundo ano, a economia estará na ponta de cima da segunda perna do V, e em trajetória de alta. A “sensação térmica” certamente não será a de estagnação, como o crescimento zero faria supor.

Mas o economista faz imediatamente a ressalva de que em 2018, provavelmente, não haverá sensação mais forte de aquecimento. Na verdade, a transição deste ano para o próximo está mais para a mudança de um ambiente gelado para outro um pouco mais suportável.

Com as informações e o que se pode prever hoje, observa Santos, não parece que qualquer componente do PIB pelo lado da demanda terá desempenho excepcional em 2018.

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O consumo das famílias ainda será freado pela lenta recuperação do mercado de trabalho. O consumo do governo será restringido pelo ajuste fiscal. As exportações (líquidas de importações) estão indo bem, mas essa performance deriva mais dos preços do que das quantidades, e são estas últimas que importam para o PIB. O investimento, finalmente, que já despencou cerca de 30%, ainda estará contido pelas grandes incertezas fiscais e políticas rondando a economia brasileira.

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O governo, entretanto, tem em mãos alguns instrumentos para tentar animar um pouquinho mais a economia no ano eleitoral. Qualquer surpresa positiva em termos do trâmite no Congresso Nacional das medidas de ajuste fiscal, da pauta econômica em geral e da reforma da Previdência pode reduzir incertezas e fazer com que o atual ciclo de corte de juros – o principal motor da retomada – vá um pouco mais longe.

E há ainda toda a agenda de privatizações e concessões de petróleo, aeroportos, ferrovias e rodovias, que pode dar um gás extra no investimento e desobstruir gargalos pelo lado da oferta.

* COLUNISTA DO BROADCAST E CONSULTOR DO IBRE/FGV

Opinião por Fernando Dantas
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