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Uma licitação de R$ 90 bi agita os 'reis dos ônibus'

Troca das empresas em SP pode acelerar consolidação do setor liderado por empresas familiares que faturam juntas mais de R$ 50 bi

Por Marina Gazzoni e Naiana Oscar
Atualização:

Um setor controverso, de empresas bilionárias, prepara-se para disputar uma das maiores licitações de transporte público do mundo, com contratos que podem atingir um valor de R$ 90 bilhões em 15 anos. O processo envolve a troca das empresas de ônibus da cidade de São Paulo, hoje com uma frota de 15 mil veículos. A Prefeitura espera que as companhias vencedoras sejam conhecidas ainda em julho e que a disputa atraia fundos de investimento estrangeiros e até multinacionais. A nova configuração do sistema de transporte paulistano tem tudo para mexer com um mercado controlado por discretos grupos familiares que movimentam, por ano, no País, uma cifra superior a R$ 50 bilhões. De acordo com um levantamento exclusivo feito pela butique de assessoria financeira Advisia, o setor conta com 2,1 mil empresas que são controladas por cerca de 1 mil grupos. As cinco maiores companhias respondem por apenas 14% de tudo que esse mercado movimenta por ano, segundo dados de 2013, que são os mais recentes disponíveis. Entre as gigantes, estão nomes tradicionais como a Guanabara, do empresário Jacob Barata, conhecido no Rio como o "Rei do Ônibus", que voltou ao noticiário há duas semanas por ter aparecido na lista dos clientes do HSBC com contas milionárias na Suíça. A segunda maior empresa do setor, com receita aproximada de R$ 1,5 bilhão, é a Comporte, da família Constantino, fundadora da aérea Gol. Bancaf e Ruas operam, respectivamente, as viações Sambaíba e Campo Belo na capital paulista e também figuram entre as maiores, assim como a JCA, dona da Viação 1001. A maioria das empresas começou no negócio com um ou dois veículos, carregando gente na carroceria de caminhões dirigidos pelos próprios fundadores nos anos 40 e 50. Elas cresceram, compraram concorrentes e deram origem a conglomerados que chegam a ter dezenas de bandeiras de ônibus. No meio do caminho, os donos de muitas dessas companhias se envolveram em polêmicas - o que ajuda a explicar a total aversão deles à mídia. A reportagem tentou contato com os principais empresários por quase um mês, mas só teve o pedido de entrevista atendido pela Comporte, da família Constantino (leia mais abaixo). Elas já foram alvo de investigações sobre conluio com políticos para receber concessões, de processos por sonegação fiscal e suspeita de fraudes em licitações. Belarmino Marta Júnior, filho do fundador da Bancaf, de Campinas, chegou a ser preso em 2011, acusado pelo Ministério Público Federal de liderar um cartel para fraudar licitações na região. No Ministério Público de São Paulo as empresas são investigadas, desde 2008, por irregularidades no contrato com a Prefeitura. Berlinda. Há dois anos, o aumento da cobrança da tarifa de ônibus em São Paulo colocou essas companhias novamente na berlinda. O reajuste foi o estopim para uma onda de manifestações populares pelo Brasil. Os protestos fizeram a Prefeitura de São Paulo contratar a auditoria Ernst&Young para abrir a chamada "caixa-preta" do transporte. Os auditores identificaram, por exemplo, que 10% das saídas programadas de ônibus na cidade de São Paulo não estavam sendo cumpridas e indicaram que a taxa de lucro das empresas poderia ser reduzida de 18%, no contrato atual, para 7%. Na nova licitação, a Secretaria Municipal de Transportes, comandada por Jilmar Tatto, prevê a criação de Sociedades de Propósito Específico (SPEs) para aumentar o controle e dar mais eficiência à gestão do sistema, que será redesenhado. A área central, que responde por 40% do sistema municipal, ficará a cargo de uma única SPE. "Queremos atrair gente parruda, com poder para fazer investimento e que entenda do assunto", diz Tatto. Como parte do esforço para atrair grupos estrangeiros, a Prefeitura já começou a desapropriar 42 áreas, entre garagens e pátios de ônibus, para que as atuais concessionárias não saiam em vantagem na licitação. "Está todo mundo como siri dentro de uma lata." Ele não revela quais empresas de fora já sinalizaram interesse em participar da disputa, mas, segundo o Estado apurou, companhias britânicas e americanas estão entre as interessadas. Consolidação. A possível chegada de estrangeiras pode acelerar, na visão dos sócios da consultoria Advisia, um processo de consolidação que começou há algum tempo e ainda está em curso. O setor está no meio de uma corrida para ganhar escala, que já motivou uma série de fusões e aquisições. A mineira Saritur, por exemplo, comprou pelo menos quatro bandeiras desde 2012. Uma das maiores aquisições do setor foi a compra da Pássaro Marrom, em 2011, pelo grupo Comporte, dos irmãos Constantino, fundadores da companhia aérea Gol, em um negócio estimado pelo mercado em R$ 400 milhões. "É um segmento muito pulverizado. No Reino Unido, por exemplo, as cinco maiores empresas têm 60% do mercado", disse Rodrigo Leite, da Advisia. Entre os fatores que, segundo ele, impulsionam esse movimento estão o aumento do custo com salários e as pressões contra reajustes de tarifas. "Escala é essencial nesse negócio." Também pesa a favor das fusões e aquisições o movimento de sucessão dentro das empresas familiares. "Eu tinha primos que nem sabiam o endereço da empresa", disse o neto do fundador de uma das empresas vendida ao grupo Comporte. O próximo passo esperado pelo mercado é a entrada no segmento de gestoras de private equity, que compram participação em empresas para vender no futuro com lucro. O presidente do conselho do grupo Comporte, Henrique Constantino, afirma que já foi procurado por fundos desse tipo. "Esse é o nosso negócio e não queremos vender. Mas, claro, podemos avaliar a entrada de sócios dependendo do porte dos nossos projetos." O Grupo Guanabara disse, em nota, que "não está descartada uma eventual parceria com fundos de investimento". Até o momento, no entanto, não há nenhum negócio conhecido no setor envolvendo investidores institucionais. "Esse ainda é um segmento muito complicado, que assusta o investidor", diz um assessor financeiro que já trabalhou para empresas de ônibus. A concorrência internacional, se vier, pode mudar essa lógica.

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