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'Vamos focar em Eletrobrás e cessão onerosa', diz novo ministro da Fazenda

Eduardo Guardia se prepara para uma negociação difícil no Congresso e tenta aplainar o terreno para evitar uma situação fiscal caótica em 2019

Foto do author Eduardo Rodrigues
Por Eduardo Rodrigues , Idiana Tomazelli e Irany Tereza
Atualização:

BRASÍLIA - O ministro Eduardo Guardia, que assumiu a titularidade do Ministério da Fazenda na última terça-feira, estipulou duas grandes prioridades para sua curtíssima gestão, de oito meses e meio. Mas são duas tarefas árduas: conseguir completar o processo de privatização da Eletrobrás em pleno período eleitoral e destravar as negociações de revisão do contrato de cessão onerosa de áreas de petróleo a tempo de programar o leilão de blocos de petróleo ainda para este ano. A estatal e a União negociam há quatro anos sem chegar a um acordo sobre quem paga a quem. Guardia, que até a semana passada era o secretário executivo da Fazenda, o "número dois" de Henrique Meirelles, que deixou o cargo para disputar as eleições, se prepara para uma negociação difícil no Congresso e tenta aplainar o terreno para evitar uma situação fiscal caótica em 2019. "Estamos sendo muito transparentes. A vida é dura. E injusta."

Eduardo Guardia reafirmou compromisso com o cumprimento da meta fiscal Foto: Wilson Dias/Agência Brasil

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Veja a seguir os principais trechos da entrevista que Guardia concedeu ao Estadão/Broadcast.

O que dá para fazer em menos de nove meses? Precisamos focar no que é absolutamente relevante. A (privatização da) Eletrobrás é extremamente importante, temos que fazer um esforço concentrado para avançar. E não pela questão fiscal, não vou ter problema de meta por causa da Eletrobrás. Se a gente não capitalizar a Eletrobrás, vamos ter problemas com a oferta de energia elétrica. Adiar um problema resulta em um problema maior. A Eletrobras, que responde por um terço da energia do País, está descapitalizada, o que significa que não tem dinheiro para investir. Está alavancada, o que significa que tem dívida que está correndo juros. Cada vez está pior. Estamos sendo pé no chão. Sei que temos uma discussão difícil sobre a Eletrobrás pela frente. Ninguém nega que é uma discussão complexa.A complexidade não é técnica, é mais política, não? Deixa eu pegar um exemplo – que não foi bem-sucedido, é verdade – que é a Reforma da Previdência. É uma discussão política difícil, mas entramos nessa discussão sem sequer ter a clareza do problema. Não tenho dúvida de que pode haver resistência política à capitalização da Eletrobras, mas precisamos mostrar o que vai acontecer. Dialogar, dialogar e dialogar. Não tem mágica. Temos que sentar com os líderes e com a base do governo e dizer que é importante. É difícil, mês passado isso ficou um pouco parado, sem quórum nas reuniões. Isso precisa ser retomado. Conversei como o (relator do projeto, José Carlos) Aleluia. Temos que ser pragmáticos aqui e ter certeza de que o texto está OK. Não podemos ir lá para discutir e ainda termos dúvidas em relação a questões técnicas do texto. Precisamos azeitar isso e estamos muito próximos de ter um acordo para o texto.

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O que está sendo mudado? A questão mais importante que discutimos ontem é como assegurar que os recursos que vão para o Rio São Francisco serão bem investidos. O relator falou em números (para o fundo do São Francisco), mas a gente decidiu primeiro acertar a forma como o recurso vai chegar para depois discutir o número. É importante ter esse acordo, senão a gente não sai do lugar. Não quero mobilizar a base para aprovar um texto sem acordo. Em paralelo, tem que fazer essa costura política que o governo sabe fazer.Há negociação para mudar a composição da comissão especial? Não sentei ainda com os ministros Moreira Franco (de Minas e Energia), Carlos Marun (da Secretaria de Governo) e Eliseu Padilha (Casa Civil) para fazer essa conversa. Comecei pela questão do relacionamento com o relator para podermos afinar o texto. Essa articulação política provavelmente está sendo feita, mas eu não tive essa conversa ainda.O presidente Temer ainda não publicou o decreto para regulamentar a inclusão da Eletrobras no Plano Nacional de Desestatização. Qual é o obstáculo? Eu mesmo fui surpreendido porque achei que o decreto teria saído. Não é aqui que está o problema, o decreto do presidente sai a qualquer hora. Acho que a opção foi não soltar o decreto antes de termos tudo azeitado. Vamos sentar e chegar a um acordo e aí solta o decreto. Deu ruído, deu confusão, mas não é isso que vai emperrar o processo. Um decreto sai a qualquer hora.Aprovar a urgência e levar o projeto direto ao plenário da Câmara é uma opção? Pode ser, mas não quero afirmar isso agora. Essa opção sempre está na mesa. Mas não adianta aprovar a urgência em uma coisa que não está acordada. Por isso sou muito objetivo. É evidente que vamos ter de mobilizar o governo para apoiar o relator e por gente que vai ajudar a trabalhar.O único empecilho é o fundo do São Francisco? De tema relevante que conversei com o relator ontem foi isso. E nisso estamos totalmente alinhados. Tem uma discussão de valor, o relator tem expectativa de um número maior. Precisamos sentar, fazer contas e conversar.Pode haver mudança no modelo de privatização? Gosto da ideia de uma grande "Corporation", ou seja, uma empresa com controle pulverizado, com boa prática de gestão corporativa. Uma empresa pública no sentido americano de "public company". Temos várias aqui, como a Embraer, a B3.E suas demais prioridades? Outra extremamente importante é a questão da cessão onerosa da Petrobras. Isso abre espaço para um enorme leilão de óleo dessa reserva excedente no pré-sal. Precisamos atrair investimentos e isso é fundamental. Quem pode ser contra um negócio desses?A União será a pagadora nessa negociação? Há um grupo de trabalho com MME, Planejamento, Fazenda, Petrobras, ANP e TCU. Esse grupo tem que chegar a um número: quem deve quanto para quem. Eu fiz todo mundo desse grupo assinar um acordo de confidencialidade. Ninguém fala nada enquanto não tiver resolvido - sob as penas da lei. Não tem nada para falar enquanto não tivermos decidido tudo. Eu serei super rigoroso com isso porque a Petrobras é uma companhia listada na Bolsa. Se alguém sair falando, nós vamos em cima. O prazo vai até 17 de maio. Se não chegarmos a um acordo até essa data pode haver outra portaria adiando por mais 60 dias. Estou confiante de que vamos chegar a uma solução a tempo de fazer o leilão (do excedente) neste ano.Há alguma outra prioridade? Dentro dos outros projetos, tem três que estão na marca do pênalti, que são importantes porque reduzem o custo do crédito para pessoas físicas e pequenas e médias empresas. Estou falando do cadastro positivo, que existe no mundo todo. Se você é um bom pagador, o banco te cobra uma taxa de juros menor. Como é que a gente não consegue aprovar um negócio desses? Acho que tem um pouco de incompreensão, de achar que tira direito dos consumidores, mas é o contrário. Estou favorecendo o consumidor. Outro é a duplicata eletrônica, que torna mais fácil para uma empresa pequena ou média antecipar recebíveis. Uma terceira que eu acho menos direta no crédito de pessoas físicas, mas ajuda a reduzir a taxa de juros estrutural da economia, é a autonomia do Banco Central. São coisas que estão no Congresso. É votar. Estive com o presidente (da Câmara dos Deputados) Rodrigo Maia e repassamos esses pontos que são importantes para construirmos essa agenda.Rodrigo Maia quer perdoar toda a dívida do Funrural e tem um projeto de lei para isso. Isso tem custo e vamos botar o custo na conta. Eu sou a favor de perdoar toda a dívida? Não. Tem custo? Enorme. Tem que mostrar qual é o custo e mostrar a situação do ano que vem para perguntar de onde vai sair o dinheiro. É isso que temos que fazer. Dialogar, explicar, porque não tem jeito. Se começar a criar despesa e reduzir receita, isso vai ser agravado.Mas abrir mão de receitas também é uma maneira de piorar o quadro fiscal. Por isso vou ter de usar o ganho que tivemos com a 15ª rodada de leilão de petróleo para cobrir uma receita que eu estava esperando e não vai entrar. Gente, a vida é assim. Deu problema, corrige e segue a vida. O importante é ter rumo, respeitar regras e ser transparente. O impacto do Funrural já colocamos na conta do ano que vem e na próxima programação orçamentária vai entrar na conta deste ano. Dos R$ 8 bilhões da 15ª rodada de petróleo, uma parte já vai para pagar o Funrural. Na parte do Refis também teremos que executar o que o Congresso determinou. De novo, isso tem custo. A conta será paga de maneira a adequar a programação deste ano e do próximo. Eu vi várias pessoas criticando o teto (de despesas), falando que ele está engessando a execução. Imagina se não tivesse teto. Como é que você segura isso tudo? A situação não é fácil, estamos com déficit, ano que vem teremos só R$ 100 bilhões para despesas discricionárias. Estamos sendo muito transparentes. A vida é dura. E injusta.O aumento de impostos, que foi cogitado várias vezes, ainda é uma opção? Para este ano não, porque não há tempo. Não posso mexer com Imposto de Renda porque tem anualidade; para alterar PIS/Cofins tem noventena. De efeitos práticos, teria muito pouco tempo para capturar algo este ano. A gente ainda tem o desejo de fazer a reforma do PIS/Cofins, então embaralharia muito a conversa. Não dá para fazer a simplificação e mandar também um aumento.Como gastos obrigatórios poderão estar condicionados a um crédito especial no Orçamento de 2019? A gente vem acumulando déficit primário há anos, nenhum país pode conviver com essa situação. No ano que vem, o déficit da Previdência vai para R$ 208 bilhões. Sem avançar nas reformas, não tem a menor condição de o País ter crescimento sustentável. A gente vai ter que repetir, repetir e repetir até todo mundo entender que não tem alternativa. Já estamos tendo que fazer as escolhas difíceis. A Constituição diz que não pode usar de dívida para financiar despesa corrente, a menos que autorizado pelo Congresso através de crédito especial. Aí vêm as leis e dizem que tem que pagar Previdência, saúde, educação, Bolsa Família. Só que as duas coisas são incompatíveis, a receita corrente é menor que a despesa corrente e simplesmente a conta não fecha. Não tem saída fácil aqui. Ninguém está dizendo que não vai pagar. Estamos projetando R$ 98 bilhões (de despesas discricionárias) ante um desequilíbrio de R$ 254 bilhões. Mesmo que a gente diga 'não tem dinheiro para mais nada, fecha a Esplanada', fique tudo no piloto automático, ainda vai faltar dinheiro. Então não tem como não entrar na despesa obrigatória.É preciso mudar a regra de ouro? Numa situação crítica como essa, quando você tem que ir ao Congresso pedir autorização para fazer despesa corrente com dívida, deveria ter um outro mandamento na lei, como tem no teto, dizendo que nessa situação não pode dar reajuste, incentivo fiscal, não pode criar programa permanente. Exatamente o que colocamos na regra do teto. Se não, está piorando o problema.

Emendas parlamentares, que são obrigatórias, podem ficar condicionadas a esse crédito? Vamos ter uma discussão difícil sobre que despesa vai estar condicionada. É uma discussão relevante, que me reservo o direito de não fazer agora porque teremos que discutir bastante internamente dentro do governo, no Congresso. Isso está revelando de maneira clara a gravidade da situação fiscal. Mas, para este ano está resolvido, não temos problema com regra de ouro, teto ou déficit. Está tudo equacionado. Eu diria que o cenário mais provável é que a receita performe melhor e aí pode ter até resultado primário melhor este ano. E, lembrando, já tiramos Eletrobras da conta. Tivemos aquele leilão extremamente bem-sucedido da 15ª rodada, deu R$ 7,5 bilhões a mais, não estavam na conta. Esse é um colchão e nós vamos administrando isso no dia a dia. Existem demandas legítimas por aumento de despesa, ainda temos situação de déficit que ninguém gosta, mas dentro desse quadro vamos cumprir meta, teto e regra de ouro. Como vamos cumprir regra de ouro? Desequilíbrio é um pouco menor do que em 2019, a gente tem os R$ 130 bilhões do BNDES e a gente tem receitas financeiras que vamos usar para fechar essa conta.Mas isso depende de consultas feitas ao TCU. Está tudo bem encaminhado, não vejo problema. BNDES está garantido. O ministro Dyogo (Oliveira, novo presidente do banco) já reiterou (que vai devolver), não tem a menor dúvida. Eu falo para o Dyogo: 'você é a única pessoa que eu posso olhar e pedir R$ 100 bilhões (rindo)'. Bom, está tudo já feito? Não, mas está tudo encaminhado, a gente sabe o que tem que fazer e está tudo calculado. Esse tem que ser o procedimento, não pode ficar contando com receita que não existe.Mas no Orçamento deste ano havia medidas como o adiamento do reajuste dos servidores e a tributação dos fundos de investimentos que não foram aprovadas. São duas coisas diferentes, você pode contar com esse tipo de receita no Orçamento desde que tenha mandado o ato legal. Mandamos o Orçamento do ano passado com reoneração, mudança na tributação dos fundos fechados, isso não tem problema nenhum. Na hora em que vai fazer programação financeira, aprovou o projeto? Não? Então não vou considerar. São dois momentos diferentes.O governo desistiu da mudança na tributação dos fundos exclusivos de investimento? Formalmente não posso nem mandar de novo (por Medida Provisória). Pode mandar por projeto de lei. Enfim, podemos discutir isso daqui até o envio do Orçamento. Achei uma pena não aprovar aquilo, é um negócio extremamente concentrado, uma questão de justiça tributária. Hoje você aplica dinheiro num banco, num fundo multimercado, come cota em maio e em novembro. Se você é uma pessoa rica, você pega R$ 30 milhões, monta seu fundo exclusivo e não paga. Acho que está errado. E não tem ninguém que eu tenha conversado no mercado financeiro que tenha dito que eu estou errado.Mas o mercado financeiro também pressionou para barrar isso. Sim, devem ter pressionado. O que estou dizendo é que ninguém tecnicamente olhou para mim e falou que essa é uma medida errada. Todo mundo sabe que está certo. É uma questão de justiça tributária. Agora, não foi aprovada. Tem um lobby forte. A gente está discutindo desoneração de folha. Alguém tem dúvida de que tem que reonerar? A vida é assim. As pessoas vão lá no Congresso defender seus interesses. Um exemplo que dou sempre é o da simplificação tributária. Alguém é contra? Ninguém. Mas implementar a simplificação não é algo neutro. Mesmo que eu fale que a carga não vai mudar. Não vou aumentar impostos, mas também não vou reduzir com um déficit desse tamanho. Vamos fazer uma reforma neutra do ponto de vista do relacionamento do Estado e a sociedade. Mas para simplificar vai haver mudança na composição da carga. Ou não muda nada. Temos várias alíquotas de PIS/Cofins e do ICMS, mesmo produto com alíquota diferente em cada Estado, além dos incentivos fiscais que ninguém sabe quanto está pagando. Vamos fazer uma alíquota única, ou duas alíquotas, ou todo produto tem a mesma alíquota. A hora que sai de várias alíquotas para uma – e a carga é a mesma – trata-se de matemática simples. Alguém vai pagar mais, porque está aqui embaixo e vai para a média, e alguém vai pagar menos porque estava em cima e vai descer. Tudo que for feito para corrigir desequilíbrios vai ter alguém que vai reclamar. O nosso desafio é mostrar o benefício, porque simplificar o sistema tributário vai reduzir litígio, custo de controle para o Fisco, dá mais eficiência para as empresas e tem um baita benefício para a economia. 

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