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Jornalista e comentarista de economia

Opinião|Vertigem dos tempos

Quem optar por esconder-se do mundo em 2017 poderá levar novos sustos no início de 2018

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Atualização:

Não há mais anacoretas como antigamente, mas suponhamos que, no fim de 2015, alguém tivesse se recolhido a uma caverna, como Santo Antão e Santo Onofre, para entregar-se ao ascetismo e a tudo o que vem junto.

Pois, de volta à vida como ela é no Brasil deste início de 2017, esse aprendiz de santo à moda antiga teria tudo para ser tomado por uma avalanche de sustos. Em apenas um ano, aconteceram aqui coisas do arco da velha, em velocidade espantosa. A presidente Dilma foi afastada por impeachment e há pressões por eleições diretas já, que afastariam o sucessor. O presidente da Câmara foi destituído e o do Senado é réu no Supremo e já foi denunciado pela Operação Lava Jato. Dois ex-governadores do Rio estão presos. O ex-presidente Lula se tornou réu pela quinta vez. A maioria dos políticos com cadeira na Câmara e no Senado teme pelas consequências da chamada delação do fim do mundo. O presidente do Senado acintosamente não acatou decisão de juiz do Supremo, sem que por isso tenha sofrido consequências. Três Estados decretaram calamidade financeira. Pelo menos 5 dos 11 ministros do Supremo competem sobre quem mais aparece para a plateia. 

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Mas isso não é tudo. A mencionada Operação Lava Jato promoveu 188 prisões, obteve 71 acordos de colaboração premiada e 7 acordos de leniência e termos de ajustamento de conduta. E sentenciou 120 condenações. 

Na área econômica, há 12 milhões de desempregados ou 14 milhões, se forem levados em conta também aqueles que deixaram de procurar emprego em consequência do desalento. O PIB encolheu pelo terceiro ano seguido. A dívida bruta saltou para acima de 70% da renda do País (veja gráfico). As empresas e as famílias estão superendividadas.

Não dá para dizer que tudo foi notícia ruim. Embora não se saiba em que proporção, muita coisa parece em processo de mudança, quem sabe para melhor. Por exemplo, aumentou a percepção de que não se pode mais deixar rolar impunemente a gastança na administração pública. O Congresso afinal aprovou a PEC dos Gastos, que proíbe aumento das despesas públicas acima da inflação do ano anterior. A reforma da Previdência começa a ser encaminhada. Grandes empreiteiras, como a Odebrecht e a Andrade Gutierrez, pediram desculpas à sociedade, prometeram abandonar o caminho da corrupção e isso sugere que há condições para que se inicie relação mais limpa entre empresários, empreiteiras e políticos. A população não mais tolera a corrupção, como antes tolerava o “rouba mas faz”, e protesta nas ruas contra o superfaturamento nas obras públicas. Os esquemas de caixa 2 que financiavam campanhas eleitorais ficaram inviáveis. Foi aprovada nova lei de governança das estatais. Nenhum passo decisivo foi dado em direção à reforma política, mas ela ficou inevitável.

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Ainda não dá para saber o quanto disso significa mudanças para melhor porque vícios antigos, como o fisiologismo, o patrimonialismo e a política de compadrio, continuam aí. Mas não dá para desprezar a nova onda e seus impactos. Quem eventualmente optar por esconder-se do mundo em 2017 poderá levar novos sustos no início de 2018.

CONFIRA:

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A tabela mostra a evolução dos preços do óleo diesel e da gasolina na refinaria. Muita gente no mercado financeiro estranhou que o reajuste que entrou em vigor na última sexta-feira tenha se limitado aos preços do diesel. Parece que, desta vez, a Petrobrás pareceu mais especialmente interessada em recuperar sua participação no mercado, ameaçada por importações. Certos importadores estão se beneficiando não só com os preços mais baixos em vigor no mercado internacional, mas, também, pelos ganhos extras obtidos com fuga dos impostos, especialmente do ICMS.

Opinião por Celso Ming

Comentarista de Economia

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