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Virar o placar: 7% de inflação x 1% de crescimento

Por Roberto Luis Troster
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Um resultado ruim: mesmo com a decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) de manter a Selic, o Brasil continua com a taxa de juros real mais alta do mundo, sem conseguir baixar a inflação e reverter a tendência de queda das projeções de crescimento. E assiste também a uma financeirização da economia. Os meios de pagamentos ampliados, também conhecidos como moeda e quase-moeda, que incluem os títulos públicos e depósitos bancários e de poupança, estão crescendo mais que o conjunto da economia. Há dez anos, correspondiam a 57% do PIB; quando o governo Dilma começou, a 81%; e atualmente, a 92%. Sua evolução é uma indicação inequívoca de um aumento maior da riqueza financeira que da não financeira, com consequências conhecidas. A mais grave é uma alta de juros que piora a dinâmica entre os setores monetário e real da economia, dificultando ainda mais o crescimento do País. É um processo que se retroalimenta. A tendência de financeirização da economia brasileira se manterá no futuro próximo por causa do crescimento baixo do PIB, do desequilíbrio das contas públicas, das contingências do governo e da necessidade de juros reais altos para baixar a inflação. O ponto deste artigo é que se pode reverter a tendência e virar o placar atuando em dois campos. No setor real da economia, a prescrição é crescer mais, por meio de reformas, políticas setoriais adequadas, inserção externa conveniente e de uma execução orçamentária criteriosa. Na arena financeira, o objetivo é minimizar o custo do controle da inflação. Para tanto, deve-se aumentar a potência da política monetária. Quanto mais forte for, mais contundente e rápido é o efeito de uma variação das taxas de juros na estabilização dos preços. Ela é diferente para cada país e varia ao longo do tempo. Está relacionada com a estrutura da intermediação financeira e a capacidade de execução do banco central. Pode ser fortalecida com a correção de disfunções e dando mais autonomia à autoridade monetária. Uma distorção é o tabelamento de juros. Faz com que uma elevação da taxa básica aumente, em vez de diminuir, a demanda de crédito. Ilustrando, como a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) é fixa, a cada alta da Selic aumenta o seu diferencial, tornando mais rentável tomar empréstimos no BNDES e aplicar recursos próprios disponíveis no mercado financeiro. Neste caso, a correção a ser feita é vincular o custo desses créditos a um referencial de juros praticados no segmento livre. A outra perversidade a ser eliminada é a indexação das aplicações financeiras. A maioria das captações no mercado financeiro é feita com ativos atrelados ao Certificado de Depósito Interbancário (CDI). A cada elevação da taxa de juros, os detentores dessas aplicações têm ganhos de renda, e não perdas, como seria o caso se fossem em títulos prefixados. Isso causa um aumento na sua riqueza e, consequentemente, um estímulo maior, e não menor, a consumir. Outra deformidade que vem da época da instabilidade elevada da economia é a moeda remunerada. Nos últimos dez anos, a inflação foi de um dígito, o sistema bancário é sólido e os depositantes têm um seguro de crédito de R$ 250 mil. Mesmo assim, o tratamento dado às aplicações é o da época pré Plano Real. Não faz sentido. A quase totalidade dos Certificados de Depósito Bancário (CDBs) registrados na Cetip tem cláusula de resgate antecipado - traduzindo, começa a ser creditada rentabilidade desde o primeiro dia com liquidez imediata. Os fundos de renda fixa têm as mesmas características. A poupança, que é a alternativa para pequenos aplicadores, tem rendimentos disponíveis na conta após um mês dos depósitos. Estabelecer um prazo mínimo, como seis meses ou um ano, para auferir ganhos com aplicações financeiras teria impactos positivos na potência da política monetária. Há mais retificações a serem feitas, como a tributação de operações ativas e passivas, o sistema de precificação de operações de crédito, a vazão de liquidez do sistema e o marco institucional do mercado de divisas. Se realizadas, melhorariam a contribuição da intermediação financeira ao País e reduziriam a taxa de juros neutra.Autonomia. É imperativo, para aumentar a potência da política monetária, dar maior autonomia ao Banco Central. A evidência empírica mostra de forma inequívoca a relação positiva com a estabilização de preços. A independência da autoridade monetária envolve pontos como a responsabilidade por definir a meta de inflação, a capacidade patrimonial de operar, a escolha dos instrumentos, a transparência, a governança e a demarcação de direitos, estrutura, duração, nomeação e remoção da diretoria. Um banco central tem lugar de destaque em qualquer nação. É uma instituição necessária para promover a estabilidade da moeda, a eficiência do sistema e a inclusão bancária, que não são fins em si mesmas, mas instrumentos para promover o desenvolvimento. Com mais autonomia, cumpriria melhor seu papel. Os aprimoramentos sugeridos na intermediação e a maior independência ao banco central requerem um número considerável de normas. Não é necessário que todas sejam sancionadas simultaneamente, pode ser um processo em partes. Mas é imprescindível que se comece a avançar para virar o placar. O Brasil pode. Não faz sentido continuar amarrado no passado. O País não vive uma crise, mas está com um desempenho aquém de seu potencial. O PIB vai crescer 1% este ano - é pouco, mas é positivo - e mais ainda em 2015. Os problemas existentes podem ser resolvidos e a capacidade de desenvolvimento pode surpreender a todos. Tanto na economia como no esporte, os conjuntos com melhores desempenhos têm poucas mudanças na sua composição, são praticamente os mesmos, vale para torneios olímpicos como para classificações de desenvolvimento econômico. Os sucessos se explicam por esforços prolongados e focados, raramente por improvisações.* Roberto Luis Troster é doutor em economia pela USP, foi economista-chefe da Febraban e da ABBC e professor da PUC-SP e USP. E-mail: robertotroster@uol.com.br

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