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Jornalista, escritor e palestrante. Escreve às quintas

Opinião|Viva Clarice Falcão

O que Clarice Falcão conseguiu foi romper o cerco das redes

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Por Redação
Atualização:

É divertidíssimo o clipe de Eu Escolhi Você, música da cantora e atriz Clarice Falcão. E foi um dos temas mais discutidos na internet durante a semana. Censurado no YouTube pela nudez, excluído de inúmeros posts do Facebook, rendeu conversa e muita crítica. Aos leitores sensíveis à nudez, não custa o alerta: melhor não ver. É só gente sem roupa o tempo todo. Em close. Ainda que, vale o segundo alerta, a nudez não tenha nada de erótica.

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Mais do que divertido, o clipe é um argumento importante. Quem debateu a qualidade da música ou a pouca diversidade étnica perdeu um ponto maior. Discutir nudez tornou-se importante neste período de vida da internet. Faz parte da discussão mais ampla sobre expressão e seus limites no meio digital.

Por um motivo muito simples. Quando redes como Facebook e YouTube tomam a decisão de censurar nudez com rigor, mas hesitam na questão das notícias falsas, é preciso questionar. Porque a nudez de adultos pode ofender, pode até machucar em casos extremos. Mas notícias falsas interferem na malha da democracia, produzem um quadro político que põe a sociedade em risco.

Obviamente os engenheiros não conseguiram pensar ainda o problema da expressão. Quais os limites, que ética a rege. Mas redes sociais informam cada vez mais gente. Tornaram-se o principal veículo de um naco jovem, culto e importante da sociedade.

Não cabe entrar numa discussão de qualidade musical. Não numa coluna que trata do digital pela ótica da mídia e de seu impacto em nossos cotidianos. Mas mensagem é importante. Clarice, quando escreve, é uma pessimista que apresenta sua visão com leveza e humor.

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“Eu escolhi você / Porque não tá tão fácil assim de escolher / Tem muita gente ruim / E quando não é ruim / É porque não gosta de mim / Aí termina que no fim só tem você”, ela diz logo no início. “Não fica triste não”, conta adiante, “Eu escolhi de coração”. Coitado do sujeito. E é ironia pura. Nas imagens que acompanham a letra, nudez frontal. Tanta, e tão nítida, e tão não disfarçada, mas ao mesmo tempo misturada com momentos de bobeira, alegorias de carnaval. As pessoas obviamente se divertiram no set. Só chocará o mais conservador.

E, no fim das contas, o que o clipe está dizendo é isso: jura que discutimos tanto sobre se podemos nos mostrar nus? Olhe mais de perto. Aqui não tem nada para ver.

Nudez, assim como notícia, não é uma categoria absoluta. Nudez pode ser uma lição de saúde pública. Pode ser uma violência. Pornografia. Erótica e não pornográfica. Notícia. Pode ser um conforto de estar na solidão da casa. Quando se trata toda situação de nudez com um não absoluto, um naco fundamental da experiência humana é banido do debate. É a definição mais rasteira de censura ditatorial que há.

Na hora de discutir política, as redes vêm cheias de dedos. Vamos construir alertas quando a informação é factualmente incorreta, mas não vamos cercear o direito das pessoas de compartilhar aquilo no que acreditam. É um argumento defensável. Como demoraram a encarar a questão de frente.

No Brasil, há um movimento estético desmistificador da nudez em curso. Inclui fotógrafos como Jorge Bispo, Fernando Schlaepfer, Pedrinho Fonseca, Alle Manzano, Olivia Nachle. É neste ambiente que surge o clipe. Não está solto no mundo: é uma conversa que parte de nós está tendo. O que Clarice Falcão conseguiu foi romper o cerco das redes. Seu vídeo pode não estar no Facebook ou no YouTube, mas todo mundo soube dele pelas redes e, quem quis, foi lá e viu.

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Numa democracia, toda conversa deve ser respeitada. Este, sim, é o valor absoluto.

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