A entrada em vigor das novas regras da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para a gestão de fundos deve trazer mais clareza para as operações feitas nessa indústria, que movimenta atualmente R$ 2,8 trilhões de reais, investidos dentro e fora do País. A Instrução CVM 558 substitui a CVM 306 e passa a valer a partir de janeiro do ano que vem. Ela traz exigências mais rígidas sobre a qualificação dos profissionais e a transparência na prestação de contas das gestoras de recursos, além de estabelecer capital mínimo para essas empresas.
“Isso não cria exatamente segurança, mas tende a limpar o mercado, pois limita a atuação de administradores. É uma sinalização de que nem todos podem entrar”, aponta Marcelo Godke Veiga, professor de derivativos e fundos do Insper e sócio do escritório Godke Silva & Rocha.
A princípio, as regras que valerão a partir de janeiro do ano que vem não devem provocar um movimento de consolidação, mas profissionais ou empresas podem se unir para fortalecer seus negócios. “Nesse momento, o mercado está se reorganizando, e por isso não vemos uma grande quantidade de gestores surgindo. Mas no futuro, alguns deles podem encontrar sinergias em suas atividades e pode haver um movimento de fusões e aquisições”, diz Carlos Massaru, vice-presidente da Anbima, associação que representa o setor, e presidente da gestora BB DTVM.
Um dos pontos mais importantes considerados pela organização é a possibilidade de os gestores independentes venderem cotas de seus próprios fundos, uma demanda antiga dessa indústria, conforme explica Massaru. Atualmente, apenas grandes instituições financeiras (como bancos e corretoras de valores), podem distribuir esses produtos, o que dificulta a competitividade. “Com uma mão, a CVM dá a possibilidade de o gestor distribuir a própria carteira e, com outra, exige mais transparência. É uma troca justa”, explica o sócio do escritório de advogados Souza Cescon, Eduardo Herszkowicz.
O texto também estabelece uma divisão dos profissionais em categorias: a do gestor de recursos (que dá ordens de compra e venda de papéis e poderá também prestar consultoria) e a do administrador fiduciário (que cuida de questões burocráticas).
A separação das funções procura diminuir os conflitos de interesse, que podem ocorrer na recomendação de um investimento, por exemplo. Segundo a instrução, o profissional precisa deixar suas intenções claras para o cliente. “O principal objetivo da CVM é promover mais transparência nesse mercado”, considera o presidente da Claritas Investimentos, Carlos Ambrósio.
No caso das empresas, o patrimônio mínimo deve ser de R$ 550 mil ou 0,2% dos recursos administrados (o valor que for maior). Também será necessário divulgar informações sobre a estrutura da companhia em sua página na internet e elaborar relatórios financeiros anuais auditados nos padrões estabelecidos pela CVM. “As empresas precisam atestar que possuem resiliência para arcar com seus custos”, explica Herszkowicz. Ele explica que, à medida em que essas informações se tornarem públicas, haverá uma “seleção natural do mercado” em busca dos melhores administradores de recursos.
Veiga considera a mudança traumática para os profissionais do meio, pois a CVM passará a exigir formação superior, experiência mínima de sete anos com atividades relacionadas e uma prova de certificação, com conteúdo e metodologia aprovados pelo órgão.
Entretanto, o advogado reforça que o endurecimento das regras não dispensa a cautela: “Isso não quer dizer que o investidor pode colocar um cheque em branco na mão do gestor. É o mesmo princípio que vale para uma conta no banco: só porque a instituição tem uma boa estrutura, não quer dizer que eu não deva dar uma olhada na minha conta de vez em quando.”