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Como a Tractebel escapou da crise

Empresa vale hoje R$ 22 bilhões na bolsa de valores e ultrapassou nomes tradicionais do mercado, como Eletrobrás, CPFL e Cemig

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SÃO PAULO - Da mesa do escritório, no sétimo andar, o mineiro Manoel Zaroni vê o mar de Florianópolis. Em cinco minutos de carro, sem congestionamento, está em casa para almoçar com a mulher – ritual que segue religiosamente desde que chegou à cidade, em 1999. Nos fins de semana, se estiver animado, vai para a casa de praia em Jurerê Internacional. Com uma rotina de dar inveja aos executivos que enfrentam o fatídico trânsito de São Paulo, o presidente da Tractebel, a maior empresa privada de geração de energia do País, tem (além desses) outros motivos para se gabar.

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A Tractebel é hoje a empresa mais valiosa do setor de energia na bolsa brasileira e vem chamando a atenção dos investidores, apesar do caos que se estabeleceu no setor desde o fim do ano passado. A empresa (controlada pelo maior grupo de energia do mundo, a GDF Suez) está avaliada em cerca de R$ 22 bilhões, à frente de companhias como CPFL, Cemig e Eletrobrás, que até o fim do ano passado lideravam esse ranking. Em 12 meses, os papéis da Tractebel valorizaram 14%, enquanto as concorrentes viram suas ações caírem em média 16%. Desde setembro, o setor de energia perdeu R$ 35 bilhões em valor de mercado na BM&FBovespa.

O terremoto que atingiu o setor em 2012 – e do qual a Tractebel escapou praticamente ilesa – chama-se MP 579. A medida provisória anunciada pelo governo federal, em setembro, com o intuito de reduzir as contas de energia elétrica, previa a renovação antecipada das concessões de geração e transmissão que vencem entre 2015 e 2017. Para prorrogar o contrato de concessão das usinas geradoras, as empresas teriam de se submeter a preços inferiores. Quem não aceitasse o novo modelo seria obrigado a devolver os ativos para o governo ao fim do contrato.

Enquanto os executivos das concorrentes iniciavam um embate com o governo federal, Zaroni vendeu o "case" da Tractebel aos investidores. Os contratos de concessão de suas 22 usinas só vencem a partir de 2028 – falta muito, portanto, para respingar nos números da empresa. "Tivemos apenas de mostrar ao mercado que a MP não nos afetou em nada", afirma o presidente. Analistas do setor e concorrentes dizem mais: a empresa acabou se beneficiando da tragédia alheia.

Com uma capacidade instalada de 6,9 GW (metade da potência produzida pela usina de Itaipu), a Tractebel tem energia disponível para vender no mercado. Do outro lado do balcão, estão empresas que terão de devolver suas usinas a partir de 2015 mas que precisam cumprir contratos de longo prazo de venda de energia. No setor, diz-se que essas geradoras ficarão "expostas". "E a Tractebel tem como cobrir a exposição dessas empresas, vendendo sua energia a um preço bem interessante para ela", diz um concorrente.

Isso não significa que a companhia esteja blindada contra qualquer tipo de intempérie. "Tudo que envolve decisões macro para o setor pode respingar na Tractebel", diz Oswaldo Telles, analista do BES Securities do Brasil. "No futuro, quando as concessões começarem a vencer, ela também será prejudicada. Mas isso ainda vai levar tempo. Hoje, a Tractebel é a melhor empresa de todo o setor, contando geração de energia, transmissão e distribuição", banca o analista.

Na frente

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O revés do setor também colocou a empresa em posição de vantagem em relação à expansão do parque gerador brasileiro. Até 2021, a capacidade total instalada no País precisará ser expandida em 58%, para 182,4 GW. As empresas que tiveram seus balanços prejudicados, como a Eletrobrás (que anunciou na última quinta-feira um prejuízo de R$ 6,8 bilhões), terão mais dificuldade de fazer esses investimentos e obter financiamento. "Companhias saudáveis, que não tiveram a margem Ebtida corroída, sairão na frente", diz João Carlos Mello, presidente da consultoria Thymos Energia.

Crescer no mercado brasileiro, mais que uma oportunidade, é uma necessidade para a controladora da Tractebel, a GDF Suez. O grupo tem boa parte de seus negócios em mercados maduros, que estão estagnados por causa da crise financeira. A Tractebel, principal negócio do conglomerado francês no Brasil, tem participação de 2% no faturamento global e contribui com 10% do lucro. "A importância do Brasil não está no que ele representa hoje, mas no seu potencial", diz Maurício Bähr, presidente da GDF Suez no País.

Para aproveitar as possibilidades do mercado brasileiro, o grupo estuda expandir seu parque gerador em várias frentes, com aquisições e desenvolvendo projetos do zero, "sem discriminar qualquer tipo de fonte", diz o presidente. Hoje, 81% da energia gerada pela Tractebel vem de hidrelétricas, 17% de termoelétricas e o restante de fontes complementares, como usinas eólicas. O próximo passo, segundo Bähr, é gerar energia a partir de gás natural, coisa que a empresa ainda não faz no Brasil. E quando fizer, será por meio da Tractebel.

A relação que se estabeleceu entre controladora e controlada também está por trás do interesse que a empresa catarinense desperta no mercado. Quem assume os riscos do desenvolvimento de grandes projetos – como a incerteza em torno do cronograma e das licenças ambientais – é a GDF Suez. "Só transferimos para a Tractebel quando todos os riscos foram mitigados e o negócio já está gerando caixa", diz Bähr. É o caso da usina de Jirau, onde o grupo francês tem participação de 60%. Só no fim do ano, quando a operação já estiver em andamento é que ela será repassada à Tractebel.

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Privatização

Se parte da euforia que se criou em torno da empresa é resultado de acontecimentos recentes, a outra parcela, não menos importante, está em sua origem – na antiga Gerasul, braço de geração de energia da Eletrosul, que é subsidiária da Eletrobrás.

Ao ser adquirida, em 1998, pela belga Tractebel – controlada pela francesa Suez que mais tarde se fundiu com a Gaz de France – a Gerasul foi a primeira estatal do setor de energia a ser privatizada. Quem comandou a aquisição no Brasil foram os ex-diretores da operação de energia do Banco Nacional, Mauricio Bähr, Gil Maranhão e Victor Paranhos, contratados na época pelos belgas. Hoje, os três são executivos da GDF Suez no País.

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Foram eles que convidaram Manoel Zaroni, funcionário público em Furnas havia 25 anos, para trabalhar na então Gerasul. "Na época foi uma polêmica eu ter trocado um cargo público pela iniciativa privada", lembra o presidente da Tractebel. "Ninguém entendia o que eu estava fazendo."

Juntos, os quatro conseguiram arrebanhar para a geradora um grupo considerável de engenheiros e técnicos da Eletrosul. A origem estatal está até hoje impressa na diretoria: dos sete executivos, só o diretor financeiro, contratado em 2010, não teve passagem por uma estatal do setor elétrico. "Essa não é uma herança negativa", ressalta Victor Martins, analista da corretora Planner. O mercado vê com bons olhos ter uma equipe veterana num setor duro e complicado como o de energia.

Embora haja um esforço para rejuvenescer o quadro de funcionários, o restante da empresa também reflete o passado estatal. Dos cerca de 1 mil empregados, 380 têm entre 21 e 25 anos de empresa (contando o período anterior à privatização). "Não temos a política de buscar executivos no mercado, preferimos formar dentro de casa e isso leva mais tempo", diz o diretor administrativo Luciano Andriani.

Desde a privatização, a Tractebel mantém uma estrutura enxuta. Com cerca de 200 funcionários a menos que a Gerasul, a empresa produz quase o dobro de energia. As remunerações, embora não sejam discrepantes (para baixo), não são tão agressivas quanto em outras companhias de capital aberto, dizem alguns funcionários. "Temos o privilégio de ter a sede da empresa em uma cidade que também proporciona qualidade de vida aos empregados", desconversa Zaroni.

Perfil

Natural de Itajubá, em Minas Gerais, ele se mudou para Florianópolis para trabalhar na Tractebel, como diretor de operações. Um ano depois, já era o presidente. Ocupa o cargo desde então. Aos 63 anos, reservado, do tipo que fala baixo e não gosta de ser o centro das atenções, Zaroni foi eleito em 2012 pela Harvard Business Review o quarto melhor CEO do Brasil e o 29º do mundo. O ranking levou em conta critérios como a variação do valor de mercado da empresa durante a gestão do executivo, lucro, inovação e retorno aos acionistas. Até agora, a maré do setor está a favor da empresa – e do presidente. Pelo menos por enquanto, sem nenhum vento contrário, ele tem mesmo motivos para se gabar.

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