O juiz da 4.ª Vara Cível de Ribeirão Preto (SP), Heber Mendes Batista, decretou a falência da Indústria de Alimentos Nilza, após constatar uma série de fraudes no processo de recuperação judicial e na negociação de venda da companhia para a empresa Airex. Segundo despacho de Batista, as fraudes, apuradas pelo Ministério Público em interceptações telefônicas feitas com autorização da Justiça, mostram a negociação de compra de votos para que ao menos um credor se posicionasse favoravelmente ao negócio, na assembleia que ratificou a venda da Nilza para a Airex, em 18 de novembro do ano passado.Batista pediu ainda a abertura de inquérito policial contra Adhemar de Barros Neto, acionista majoritário da Nilza, e Sérgio Antônio Alambert, da Airex, para apurar o crime de fraude no processo, previsto no artigo 168 da Lei 11.101/05, que regula a recuperação judicial. O artigo prevê pena de três a seis anos de prisão e multa. Segundo o juiz, ?no inquérito apurar-se-á a participação de eventuais asseclas desta rede de corrupção e fraude tecida por ambos?.O juiz manteve a consultoria Deloitte na administração da agora massa falida da Nilza, deu cinco dias para a apresentação da relação dos credores de cerca de R$ 380 milhões e solicitou um levantamento de todos os bens da empresa, que já foi a maior produtora de leite longa vida de São Paulo. Deu poderes ainda à empresa para que lacre a Nilza, se necessário, para evitar a retirada de ativos.Além disso, Batista bloqueou R$ 5,2 milhões depositados em juízo pela Airex para garantir o pagamento de credores trabalhistas durante o processo de recuperação judicial e a negociação para a compra da Nilza. ?Trata-se de numerário de origem duvidosa, que, por isso, será apreendido?, relata Batista na decisão. ?Posteriormente, demonstrada a licitude do dinheiro, será liberado a quem de direito.?ProvasNa decisão, com 21 páginas, Batista aponta provas obtidas pelo Ministério Público do acordo entre Barros Neto e Alambert para o pagamento a credores em troca de votos necessários na assembleia que aprovou a venda da Nilza para a Airex e um novo plano de recuperação judicial. ?Essa forma ilícita de pagamento tinha como escopo exatamente o sucesso no novo plano de recuperação judicial?, diz o juiz. O exemplo citado é a negociação, intermediada por Barros Neto, para o pagamento de R$ 215 mil ao empresário José Eustáquio Bernardino de Senna, em troca do voto na assembleia.Conhecido como Nenê, Senna é antigo presidente da Montelac, vendida à Nilza no passado e credor de R$ 4,34 milhões da companhia. ?Por conseguinte, na condição de credor, (Nenê) jamais poderia ser beneficiado em detrimento dos demais credores?, aponta Batista.Além da compra de votos, o juiz apontou a Airex como uma empresa ?com sede em lugar em nenhum?, ou seja, uma companhia de fachada. Por meio de investigações da Polícia Federal, constatou-se que os endereços fornecidos pela Airex em Manaus não existiam ou sediavam outras empresas.Batista ainda levanta dúvidas sobre mudanças no capital social da companhia - ampliado de R$ 50 mil para R$ 5 milhões ?como num passe de mágica?, segundo ele - e na razão social, de Airex Trading, Logística Importação e Exportação Ltda para Airex Capital Partners Ltda. ?Como se vê, a empresa Airex é uma fraude, tal qual arquitetada por seu criador (Sérgio Antônio Alambert) para efeito de aprovação do novo plano de recuperação judicial. (...) E toda essa fraude já se constitui em causa suficiente para a decretação da quebra?, relata o juiz.Por fim, Batista questiona ainda a origem dos R$ 5,2 milhões dados pela Airex como garantia judicial para o pagamento de credores trabalhistas. O pagamento foi feito por meio de cheque da empresa Nova Visão Global S/C Ltda, contratada pela Airex como gestora da Nilza. ?Isso demonstra que a Airex, além de não possuir sede em lugar algum, também não dispõe de recursos próprios para bancar o pagamento do valor convencionado na assembleia de credores, nem possui condições para levar adiante empresa com passivo superior a R$ 380 milhões, e que desde maio de 2010 encontra-se com sua atividade industrial paralisada?, conclui.ApoioProcurados, Alambert e Nenê negaram qualquer tipo de fraude, apesar de confirmarem o pagamento de R$ 215 mil. Alambert afirmou: ?Por questões políticas, paguei antecipado uma dívida dele que estava fora da recuperação judicial e pedi o apoio dele para a aprovação do plano?. Alambert negou que houvesse fraude na negociação e sustentou que não faz parte da Nilza. ?Fiz o pagamento, mas como não faço parte do processo, isso não é crime?, disse. Ele considerou inconcebível a decisão judicial e negou a montagem de uma empresa de fachada para a compra da Nilza. ?A empresa foi criada para a importação de peças de veículos e não deu certo. Como ela ficou aberta, usamos na operacionalização do negócio com a Nilza, não há nada de fraudulento?, disse.Já Nenê deu uma versão diferente para o dinheiro recebido por ele: ?Foi pela prestação de serviços anteriores, e não para ser favorável ao negócio?, disse. Nenê considerou ?uma tragédia? a falência da Nilza e lembrou que o grupo de ex-donos da Montelac tem R$ 17 milhões em créditos a receber da Nilza. Barros Neto e sua advogada, Silvia de Luca, foram procurados, mas não responderam às ligações telefônicas feitas pela reportagem. Segundo Alambert, ?provavelmente Barros Neto vai recorrer da decisão no TJ (Tribunal de Justiça)?.