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O investidor que comprou todo o cacau da Europa

Negócio fechado por especialista britânico é alvo de críticas da indústria e pode levar a aumento de preços do chocolate ao consumidor

Por Cíntia Bertolino e de O Estado de S. Paulo
Atualização:

De um dia para outro, os grãos de cacau que abarrotavam armazéns na Alemanha, Inglaterra e Holanda passaram para as mãos de um único homem: as do inglês Anthony Ward, um dos sócios da Armajaro Holdings Ldt.

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Na operação finalizada há um mês, Ward usou várias corretoras e bancos de investimento para arrematar todo o cacau da Europa - equivalente a 7% da produção mundial -, o suficiente, estima-se, para produzir 5 bilhões de barras de chocolate.

No turbilhão da transação de US$ 1 bilhão, muita gente acusou o megainvestidor de causar o vazio nos estoques unicamente para forçar a alta dos preços. Como a próxima colheita de cacau no hemisfério norte começa em setembro (e estende-se até outubro), quem precisar de matéria-prima agora na Europa terá de negociar com a Armajaro.

Em meio a acusações de especulação, há também quem acredite que a compra foi feita para honrar contratos já firmados.

"Não sabemos exatamente qual é a posição da Armajaro. Mas é bem provável que eles já tenham vendido grande parte desse cacau. Também é bem possível que essa operação tenha gerado um grande lucro. Mesmo se o preço diminuir agora, isso não quer dizer que eles vão perder dinheiro", diz o francês Laurent Peptone, executivo da International Cocoa Organization (ICCO), em entrevista por telefone. A ICCO é uma organização que reúne países produtores e consumidores de cacau e tem sede em Londres.

Essa teoria também faz sentindo: recentemente, a Armajaro entregou à fabricante suíça de chocolate Barry-Callebaut, a maior do mundo, 100 mil de suas cerca de 242 mil toneladas de cacau.

A compra do mês passado alavancou o preço da tonelada do cacau negociado na London Financial Futures and Options Exchange (Liffe, uma divisão da Nyse Euronex), que, no dia em que o negócio foi negociado, chegou a 2.732 libras (US$ 4.256), um patamar não visto desde 1977.

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A alta do preço do cacau também suscitou a desconfiança de que, se a tonelada continuar a subir, quem vai pagar a conta é o consumidor final. Cacau é responsável por apenas 10% do preço da barrinha industrial de chocolate, mas o valor das amêndoas disparou 150% nos últimos dois anos, segundo a ICCO.

Por enquanto, ninguém vai ter de desembolsar mais dinheiro pelo doce. "É improvável que essa compra tenha um impacto imediato no preço do chocolate", diz Peptone.

Especialista em cacau, Ward apostou alto no declínio da colheita na Costa do Marfim. O país africano é o maior produtor de cacau do mundo, responsável por cerca de 40% de todo o volume comercializado.

Neste ano, as árvores envelhecidas, que já produzem menos, foram castigadas por fortes chuvas e por uma praga que enegrece e inutiliza os frutos. Além das intempéries naturais, o país passa por instabilidade política: o atual presidente dissolveu o governo no início do ano e, pressionado, marcou eleições para outubro. As crises internas da Costa do Marfim já prejudicaram o comércio internacional de cacau no passado.

Em 2002, com o país mergulhado numa guerra civil, a distribuição de cacau ficou comprometida. Ward conseguiu prever os problemas políticos, comprou um grande estoque antes de a guerra explodir e faturou alto. Para os contratos da safra de setembro-outubro, o temor dos traders é de que Ward volte a comprar maciçamente. E essa é uma possibilidade bastante concreta, asseguram os analistas de mercado.

Transparência

Com os ânimos apaziguados, a discussão mais latente nesse momento recai sobre a necessidade de maior transparência no mercado londrino.

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Nessa direção, a Liffe já começou a divulgar relatórios sobre a posição de vários traders, a exemplo do que acontece em Nova York. A medida surgiu como resposta à carta assinada por 16 representantes das principais indústrias de chocolate no rastro do estrago causado por Ward nas reservas de cacau.

"A indústria cacaueira não pode continuar a negociar no mercado de futuros numa bolsa que não oferece o mínimo de transparência. Somos obrigados a considerar seriamente a Intercontinental Exchange (ICE)", diz a carta tornada pública pela agência de notícias Reuters.

Imediatamente, a Liffe lançou um comunicado no qual afirmava não haver sinal de irregularidade na transação da Armajaro, mas se comprometia a rever a política de transparência. Contatada pelo Estado, a Liffe não quis se pronunciar.

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