O FGTS foi criado nos anos 1960 com alguns objetivos. Primeiro, claro, era o de proteger os trabalhadores que são desligados de seus empregos sem justa causa. Mas a verdade é que, com sua criação, o governo teve acesso a uma enormidade de recursos que não compõem, oficialmente, o orçamento da União. Desde então, utiliza esses recursos para fazer política pública.
A escolha foi aplicar esses recursos na habitação e na infraestrutura. Como os recursos são remunerados a 3% ao ano (mais TR), o FGTS pode fazer empréstimos com taxas mais baixas do que o mercado oferece a quem quer comprar um imóvel. Isso é ótimo para o comprador e para o vendedor de imóveis, mas é sempre bom lembrar que o custo desse empréstimo barato é subsidiado pelo trabalhador assalariado, que recebe uma remuneração vergonhosa para seus recursos e carrega nas costas, quase sozinho, a política habitacional do Brasil.
A liberação (por enquanto temporária) do uso de recursos do FGTS para o financiamento de imóveis com valor até R$ 1,5 milhões merece alguns comentários adicionais. Primeiro, cabe lembrar que o salário médio dos trabalhadores assalariados no Brasil é próximo a R$ 2.000 por mês. Assim, não parece fazer sentido usar recursos desses trabalhadores para subsidiar a classe alta para que ela possa comprar seus imóveis.
Por outro lado, a infinidade de regras que existem para regular o financiamento de imóveis no Brasil gera muitas distorções no mercado. Com o limite anterior, por exemplo, era pouco provável encontrar um imóvel sendo anunciado por R$ 960.000 - já que os 10.000 reais acima do teto diminuíam a probabilidade de vender o imóvel rapidamente, porque o comprador não teria acesso ao financiamento mais barato. Ou seja, o vendedor acabava também perdendo por conta das regras rígidas, em benefício do comprador. Num mercado competitivo como o imobiliário, menor regulação parece ser uma boa notícia.
Outro aspecto importante é o de que, apesar de ser feito às custas dos trabalhadores, o uso do FGTS é uma forma de fazer política fiscal sem onerar o orçamento da União - atualmente sem nenhum espaço para aumento de gastos. A medida deve ajudar as incorporadoras a vender parte dos imóveis que estão em estoque e, com isso, movimentará o setor. Essa movimentação deve ajudar, mesmo que marginalmente, na retomada da atividade econômica. Infelizmente, a medida não ajudará diretamente os donos de imóveis usados de valor mais alto, porque as novas regras são apenas para os imóveis novos.
Não há dúvidas de que o mercado imobiliário precisa de crédito barato para ser viável. Mas, como somos um país de juros altos, a conta não fecha. Por isso, a melhor notícia que o mercado imobiliário pode esperar nesse ano não são pacotes econômicos, e sim a continuidade das reformas estruturais. Depois da PEC do teto dos gastos, a reforma da previdência e as reformas tributárias e trabalhistas são a nossa melhor aposta para voltarmos a uma trajetória de crescimento sustentável e de redução dos juros. Quando e se isso se confirmar, então os juros baixos serão realidade para todos. A partir daí o governo vai poder se livrar, finalmente, da responsabilidade de escolher quem paga a conta dos subsídios e de quem é beneficiado por eles.