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Jornalista e comentarista de economia

Opinião|A Europa vacila

Se fosse um banco, a Grécia já teria sido resgatada? Provavelmente, sim. Mas a Grécia é apenas a Grécia e, como tal, segue à beira do abismo - e, com ela, o resto da Europa.

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Atualização:

Os políticos, que não vacilaram quando se tratou de prover socorro aos bancos, continuam paralisados diante do risco de naufrágio. Já há suficiente percepção de que não se pode deixar que a Grécia se vire sozinha com seus cacos. Isso produziria um caos financeiro, de consequências políticas imprevisíveis. Pelo menos outros cinco países da área poderiam quebrar logo em seguida, o euro perderia até mesmo o chão instável em que está assentado e sabe-se lá quantos grandes bancos quebrariam com eles.

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A condição mais conhecida é a de que o governo do primeiro-ministro grego, George Papandreou, arranque do Congresso um plano forte de austeridade fiscal que torne sustentável a administração da dívida. Mas não basta impor à população sacrifícios à beira do insuportável. A solução tem de se estender também aos bancos que sustentam a dívida grega e a dos outros países da zona do euro.

Até a semana passada, a chanceler da Alemanha, Angela Merkel, exigia a participação dos credores num outro pacote de ajuda financeira à Grécia. É o que equivaleria a impor certo calote aos bancos. No entanto, apesar de herdeiro da cultura de austeridade do Bundesbank da Alemanha, o Banco Central Europeu (BCE) antepôs feroz resistência a qualquer solução desse tipo, porque não quer a calamidade para os bancos, que ficaria inevitável.

Na edição deste domingo, o diário inglês The International Herald Tribune mostrou haver mais coisas graves acontecendo, além da rebelião popular. Informações do próprio BCE dão conta de que, mesmo sem a suspensão dos pagamentos, os depositantes estão sacando seus depósitos bancários. Em abril, os bancos da Grécia perderam US$ 2,4 bilhões; em maio, outros US$ 4 bilhões. A fuga de capitais do país já alcança um total de US$ 60 bilhões, o equivalente a 25% do seu PIB. Pela enérgica reação do BCE à tentativa de empurrar um pedaço reduzido da conta da crise para os bancos, não parece descabido pensar que esses movimentos de saque não se restrinjam aos bancos da Grécia. Os mais apavorados podem estar fazendo o mesmo, inclusive, com os bancos mais expostos às dívidas de outros países europeus.

Sexta-feira, a chanceler Angela Merkel avisou que a participação do setor financeiro num plano de resgate da Grécia se assentará sobre "bases voluntárias". A ideia original era a de que os credores empurrassem as atuais posições em títulos gregos por mais sete anos. Mas essa proposta vinha com um viés de imposição que o BCE também considerou inaceitável, pelas consequências negativas que provocaria na saúde dos bancos.

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Muita gente estranha a crueldade dos mercados que, aparentemente, dispensam espantosa generosidade aos banqueiros - essa espécie destituída de alma e de coração - e, ao mesmo tempo, tratam com casca e tudo os países, onde vive gente feita de carne e osso. Mas essa distinção é descabida.

Os bancos lidam com ativos e passivos, a um triz do descasamento. Se levarem um calote que abale a confiança, correm o risco de não poderem pagar nem seus depositantes nem os aplicadores em seus títulos, especialmente numa situação de corrida aos passivos. E é essa condição que o BCE quer evitar a qualquer custo.

CONFIRA

O gráfico mostra a tendência de baixa do dólar no câmbio interno (valorização do real), mesmo num ambiente de grave crise europeia.

Efeito contrário. O governo festejou a promoção da dívida brasileira na tabela de classificação de risco da Moody's. Em seu pronunciamento, a agência avisou que pesou decisivamente na promoção do Brasil o alto nível de reservas externas. Outra vez, reservas altas atraem dólares. Se o Banco Central segue as empilhando para evitar a valorização do real, na prática, está produzindo efeito contrário.

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Opinião por Celso Ming

Comentarista de Economia

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