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Jornalista e comentarista de economia

Opinião|A ANP pressiona

É estranho que o diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo (ANP), Haroldo Lima, defina previamente o que é muito e o que é pouco no preço do barril de petróleo que a União deverá transferir para a Petrobrás para garantir a subscrição da parte do Tesouro no aumento de capital.

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Atualização:

Se a ANP contratou uma consultoria especializada externa - a Gaffney, Cline & Associates - para apontar o valor dos 5 bilhões de barris que transferirá para a Petrobrás, o mínimo que se espera do diretor-geral da ANP é que entenda como valor correto aquele que vier a ser certificado. E não que prevaleça um número subjetivo brotado em sua cabeça, sabe-se lá com que motivação.

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Vamos primeiramente às preliminares e, em seguida, ao conflito de interesses entre a Petrobrás e a ANP. Está agendado para setembro um forte aumento de capital da Petrobrás. O Tesouro, detentor de cerca de 32% das ações, não dispõe de dinheiro vivo para subscrever a sua parte. A decisão foi entregar 5 bilhões de barris da União, em reservas de sua propriedade ainda em medição, numa operação denominada cessão onerosa.

A ANP torce para que a União aumente substancialmente sua participação no capital da empresa. E isso acontecerá necessariamente porque boa parte dos acionistas minoritários, especialmente os brasileiros, não terá condições de subscrever a sua parte. Nesse caso, a União espera arrebatar uma forte parcela das sobras. Assim, a Petrobrás deverá sair dessa capitalização mais estatal e mais estrangeira.

Em princípio, a União tem interesse em que o petróleo da cessão onerosa seja transferido a preços relativamente altos porque isso aumentaria o cacife do Tesouro. A US$ 5 por barril, a parcela da União na subscrição será de US$ 25 bilhões. A US$ 8, será de US$ 40 bilhões.

Qualquer companhia de petróleo festejaria a apropriação de grande reserva de petróleo sem risco de reservatório (sem risco de que o volume a ser produzido seja menor do que o estabelecido). Por isso, a Petrobrás está sendo beneficiada com essa operação. No entanto, seu interesse na capitalização é o de receber o máximo de subscrição em dinheiro, porque precisa investir centenas de bilhões de dólares na exploração do pré-sal. Quanto mais alto for o preço do barril da cessão onerosa, menor será a propensão do acionista minoritário a subscrever sua parte e maiores serão as sobras que a União subscreverá em "petróleo futuro".

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Os analistas de mercado estimam que o preço do barril da cessão onerosa esteja entre US$ 5 e US$ 6. Lima avisou ontem em entrevista à Folha que esse valor "está baixo". Ora, a ANP contratou uma consultoria especializada para definir, com base num conjunto de informações sísmicas, geológicas, qualidade dos hidrocarbonetos e pressão dos poços, o volume e o preço dessas reservas. O resultado deverá ser anunciado até o fim deste mês. Se o diretor-geral da ANP já tem opinião formada sobre o valor desse petróleo e a expõe em público, está desautorizando o processo de certificação que ele próprio contratou.

Se a Gaffney acabar apontando o valor superior a US$ 6 por barril, poderão ter sido criados elementos para que esse laudo seja contestado na Justiça por ter sido cantado antecipadamente por Lima. Também é esquisito que dos diretores da Petrobrás se exija silêncio regimental sobre quaisquer questões que envolvam a capitalização e que o diretor-geral da ANP possa dizer o que bem entenda e o que ditam suas convicções ideológicas.

Opinião por Celso Ming

Comentarista de Economia

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