EXCLUSIVO PARA ASSINANTES
Foto do(a) coluna

Jornalista e comentarista de economia

Opinião|Entenda a deflação

A inflação aleija e pode matar; a deflação, também. Depois de passar meses a fio temendo os efeitos da inflação sobre a economia, os europeus agora temem o contrário (veja o gráfico).

PUBLICIDADE

Foto do author Celso Ming
Atualização:

Primeiro, o conceito. Muita gente no Brasil acha que deflação é uma queda geral de preços apenas episódica que não dura mais que dois meses. Isso não é deflação, é inflação negativa. A deflação acontece quando os preços caem de maneira constante durante um período relativamente longo.

 Foto: Estadão

PUBLICIDADE

Os efeitos da deflação são tão ou mais perniciosos do que os produzidos pela inflação. E é mais fácil compreender a deflação pelos seus efeitos do que pelo seu conceito.

Para começar, é difícil de saber onde está a ponta do rolo, mas causas e efeitos acabam se misturando.

Uma deflação é uma tragédia para grandes devedores, porque os compromissos permanecem os mesmos enquanto preços e renda caem. Ou seja, na prática, a dívida fica mais alta. Quem, por exemplo, comprou uma casa e tem muitos anos para pagar prestações mais ou menos fixas, em caso de deflação acabará pagando mais do que vale a casa - se sobreviver financeiramente até lá. Por aí já se vê que, em tempo de deflação, a regra geral é evitar levantamento de empréstimos e a atividade bancária é prejudicada.

Numa situação de deflação, empresas e consumidores adiam compras, porque apostam em que, mais à frente, serão beneficiados pela rebaixa de preços. Menos compras e menos investimentos tendem a puxar para baixo a atividade econômica e a contratação de pessoal. É também o que vai derrubar os salários e as rendas e, por sua vez, contrair ainda mais o consumo. Em países cuja população está mais insegura em relação ao futuro, o consumo cai por uma razão adicional: pelo aumento da poupança. As pessoas economizam mais porque imaginam que, lá na frente, vão precisar de mais dinheiro. Esse é, por exemplo, um fenômeno particularmente grave no Japão.

Publicidade

Como a arrecadação do setor público está quase inteiramente baseada nos preços e nos valores, uma queda persistente dos preços tende a derrubar a arrecadação. O efeito seguinte é menos despesa pública, mais recessão, mais vida dura.

O risco de deflação foi o principal fator que levou e continua levando grandes bancos centrais a emitir trilhões em moeda nacional. O Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) inventou o quantitative easing, que é a recompra de títulos no mercado à proporção de US$ 85 bilhões por mês que despeja dólares no mercado. O Banco Central Europeu (zona do euro) adotou o Mecanismo Europeu de Estabilidade (ESM) para socorrer os bancos e acaba de derrubar os juros básicos para 0,25% ao ano. O Banco do Japão, orientado pelo primeiro-ministro Shinzo Abe, também está emitindo moeda, experiência que hoje está sendo chamada Abenomics.

Também é a principal razão pela qual, nos países em que vigora o regime de metas, os bancos centrais nunca perseguem uma inflação inferior a 2,0% ao ano. Se errassem para menos, poderiam atolar a economia na deflação, de saída difícil.

Mas, decididamente, dessa doença o Brasil está longe (veja ainda o Confira).

CONFIRA:

Publicidade

Deflação importada. Boa parte do risco de deflação, sobretudo na Europa, pode ser gerada de fora. A valorização do dólar, por exemplo, em consequência da iminente retirada dos estímulos do Fed, deverá reduzir as cotações das commodities, especialmente, petróleo e alimentos, não porque os custos desses produtos fiquem mais baixos, mas porque, valorizado, um dólar compra mais mercadorias do que comprava antes.

O fator China. Outra causa externa que pode concorrer para a redução dos preços das commodities é a desaceleração da atividade econômica da China, que tende a encomendar menos matérias-primas e menos energia em comparação ao que vinha sendo projetado.

Porta fechada. Uma arma clássica de combate à deflação é o aumento das despesas públicas, especialmente dos investimentos. O diabo é que esse recurso está praticamente descartado porque na Europa, no Japão e nos Estados Unidos, o setor público está endividado demais.

Opinião por Celso Ming

Comentarista de Economia

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.