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Jornalista e comentarista de economia

Opinião|Falta cumprir

Ajoelhou, tem de rezar. O presidente do Banco Central Europeu (BCE), Mario Draghi, avisou na quinta-feira que "faria de tudo para salvar o euro". Logo em seguida, a chanceler da Alemanha, Angela Merkel, e o presidente da França, François Hollande, apoiaram Draghi e pareceram avalizar tudo o que ele fizesse para impedir que a área do euro despencasse abismo abaixo. Nesta terça-feira, o primeiro-ministro da Itália, Mario Monti, juntamente com Hollande, reafirmaram o apoio ao BCE.

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Atualização:

Os mercados festejaram na semana passada ou porque acreditaram ou porque lhes convinha acreditar. Falta começar a reza. Falta saber quais serão as medidas heroicas em gestação no BCE para tirar o euro da encalacrada em que está.

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O problema imediato vinha sendo a iminência do colapso da capacidade de financiamento das dívidas da Espanha e da Itália. Se a quebra ou de um ou de outro acontecesse, seria desastre de vastas proporções. Os tomadores de títulos estavam tão desinteressados que as novas emissões de bônus da Espanha e da Itália precisaram pagar juros já acima de 7,0% ao ano para encontrar compradores. Acima desse nível, começa a contagem regressiva para a quebra.

Para esta quarta-feira, está agendada nova reunião do BCE para definir pelo nível dos juros básicos. É para quando se esperam ou novas atitudes ou alguma indicação do que fará Draghi para cumprir o prometido. Mas, afinal, o que o BCE pode fazer e quais seriam os riscos dessas providências?

Uma ideia é reduzir ainda mais os juros básicos que, atualmente nos 0,75% ao ano, estão no menor nível histórico. Em princípio, não seria recomendável porque a inflação do bloco está em torno de 2,5%, além dos 2,0% que constituem a meta de inflação. O problema é que somente juros um quarto de ponto porcentual mais baixos parecem pouco para o pretendido.

Recomendação insistente de analistas de várias tendências é de que o Fundo Europeu de Estabilização Financeira (EFSF), e, futuramente, a instituição que suceder-lhe, o Mecanismo Europeu de Estabilização (ESM), seja autorizado a operar como banco. Assim, poderia levantar recursos ilimitados no BCE (o que um tesouro não pode fazer)e, portanto, recomprar os títulos de dívida que não encontrassem mercado.

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Variação do mesmo movimento, mas sem intermediários, seria o BCE voltar às compras de títulos no mercado financeiro, prática da qual se ausentou nas últimas 20 semanas.

Essas duas opções esbarram com obstáculos sérios. Essas recompras de títulos teriam por objetivo criar mercado para eles e, em consequência disso, derrubar seu rendimento (yield), para que os lançamentos de dívida nova pudessem ser realizados com juros bem mais baixos. À medida que o BCE fizesse essas intervenções, derrubaria artificialmente os juros, impedindo que se estabelecesse a percepção do que fosse título bom e título ruim. Em outras palavras, o BCE estaria agindo para que os títulos de países encrencados parecessem tão bons (ou quase) quanto os da Alemanha. E, se os títulos de pior qualidade fossem equiparáveis aos de boa qualidade, ficaria também prejudicado o nível adequado de capital exigido dos bancos que carregassem essas dívidas em seus balanços.

É por isso que certos analistas avisam que se o EFSF (ou o ESM) ou o BCE se pusessem a recomprar títulos de dívida da área do euro, teriam de formar com uma "cesta neutra", que não gerasse deformações. Ou seja, teriam de recomprar títulos de toda a área do euro (não só de Espanha e Itália), na proporção de suas economias ou de sua participação no capital do BCE. Se a exigência da "cesta neutra" fosse cumprida, a grande beneficiária seria a Alemanha, que já paga juros baixíssimos.

Outra opção do BCE seria uma nova Operação de Refinanciamento de Longo Prazo (LTRO, na sigla em inglês). É um empréstimo de volume ilimitado aos bancos da área, por três anos, para que usem os recursos assim obtidos na recompra de títulos no mercado financeiro. Dois problemas: (1) o BCE já lançou duas LTRO, uma em dezembro e a outra em fevereiro, no valor total de 1 trilhão de euros, e, aparentemente, não conseguiu mudar o quadro geral da área; e (2) corresponde a gigantesca emissão de moeda que poderá contribuir para empurrar a inflação.

O risco é que, ajoelhado ou não, o BCE não puxe nenhuma reza. Se não fizer nada, como não vem fazendo hoje, a esperança tem tudo para se transformar em gigantesca decepção.

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Opinião por Celso Ming

Comentarista de Economia

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