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Jornalista e comentarista de economia

Opinião|Questão de sobrevivência

Apesar dos renitentes nãos da Lady No (a chanceler da Alemanha, Angela Merkel), estão próximos os dias em que o Banco Central Europeu (BCE) não terá outra saída a não ser assumir sua até agora renegada função de emprestador de última instância para os Estados nacionais do euro.

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Atualização:

Na última sexta-feira, recordes de rejeição a títulos de dívida de países do bloco foram batidos, rendimentos pagos por alguns dos principais deles ultrapassaram o limite do sustentável (veja mais no Confira) e agências de classificação de risco vêm emitindo repetidos avisos de que estão na iminência de rebaixar as notas de confiança de dívidas até recentemente não questionáveis. Afora isso, como muitos bancos estão sendo obrigados a ajustar seus ativos às novas exigências de capital, há forte desova de títulos nos mercados. E, como há cada vez mais razões para que até mesmo um banco não confie no outro, vai se esboçando uma situação de colapso do crédito na Europa.

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O BCE se nega a desempenhar outra função que não seja a de combater a inflação e isso vai sendo repetido pelo seu novo presidente, Mario Draghi. Respalda-se na letra dos tratados e, mais do que nisso, na diamantina postura do governo da Alemanha, absolutamente contrário a quaisquer operações do BCE que configurem concessões de crédito a governos do bloco.

Não foi assim que o Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) trabalhou no auge da crise de 2008 e nos anos seguintes. A mesma relutância em operar como emprestador de última instância a tomadores fora de sua supervisão - como bancos de investimento, seguradoras e sociedades de crédito imobiliário - foi rapidamente vencida quando as circunstâncias exigiram "fazer o que fosse preciso" para salvar a economia do caos. Seu presidente, Ben Bernanke, se apegou a um dispositivo legal vago, que lhe permitia emitir moeda "sob circunstâncias incomuns e exigentes", e instalou uma ponte de safena que, na prática, injetou até US$ 1,7 trilhão no mercado e expandiu seu balanço nas mesmas proporções. Foi também o que justificou a recompra de títulos do Tesouro, operação que levou o nome de afrouxamento quantitativo.

Também apesar da forte oposição inicial da Alemanha, o BCE vem comprando títulos soberanos no mercado secundário. Alega que não são compras diretas. É difícil saber no que essas operações se diferenciam da injeção direta. Por acaso, os vendedores desses títulos ao BCE não ficam em condições de comprar novos títulos com juros mais altos no mercado primário?

A questão é mais profunda. A função mais importante de um piloto de navio não é mantê-lo limpo e abastecido, embora isso também seja importante. É garantir capacidade de navegação. Não se trata de garantir cenários de longo prazo de sustentação do euro, que implicam complicada costura de novos tratados. Trata-se, em primeiro lugar, de impedir seu naufrágio.

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Se é que já não foi ultrapassado, o ponto de assegurar a sobrevivência do euro parece muito próximo.

CONFIRA

Como nada de novo está acontecendo para deter a alta do rendimento (yield) cobrado pelo mercado, a escalada deve continuar.

Questão de momento. O presidente da Comissão Europeia, o português José Manuel Durão Barroso, tem uma nova explicação para uma das mais importantes negativas da Alemanha: "Merkel não é contra o eurobônus; é contra discutir isso no momento errado". Mas, afinal, quando será o momento certo?

Opinião por Celso Ming

Comentarista de Economia

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