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Jornalista e comentarista de economia

Opinião|Remadores fora do ritmo

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Atualização:

A ata do Copom divulgada quinta-feira não conseguiu desfazer o curto-circuito provocado pela sua guinada brusca na condução da política de juros.

Primeiro vamos falar do problema e, depois, das consequências. Dentro do regime de metas de inflação é essencial que as expectativas dos agentes econômicos (empresários, banqueiros, consultores) estejam alinhadas com as do Banco Central. É o que o presidente do Fed (o banco central americano), Ben Bernanke, chama de condução de um barco a remo com patrão. Os remadores coordenam os movimentos de acordo com as cantadas do patrão. É só assim que alcança eficiência no deslocamento do barco em direção à chegada.

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Os dois principais documentos pelos quais o Banco Central martela as remadas do mercado são as atas do Copom (que saem oito dias depois de cada reunião) e o Relatório de Inflação (divulgado quatro vezes por ano). Ocorre que a ata da reunião anterior e o último Relatório de Inflação apontaram para a manutenção do aperto monetário. Quem leu esses documentos e ouviu as entrevistas dos diretores do Banco Central entendeu que o aperto dos juros seria mantido ou, até mesmo, intensificado. Mas a reunião do Copom do dia 23 mostrou que o Banco Central mudou sua política em direção à redução da dose dos juros básicos.

Quem foi surpreendido (e parece ter sido a maioria) ficou desarvorado. Houve quem criticasse o Banco Central pela condução esquizofrênica de sua política, que aponta para um lado e vai para o outro; por ter se tornado refém do jogo eleitoral; e por ter perdido, em final de governo, o que possuía de autonomia operacional...

A explicação para o curto-circuito parece mais prosaica. É que, desta vez, em pouco mais de uma semana, as condições externas e internas mudaram drasticamente. A recuperação da economia dos países ricos foi revertida; Estados Unidos e Europa voltaram a mergulhar na crise; e Bernanke, em seu depoimento no Congresso americano, descreveu um quadro desolador a ponto de iniciar a preparação da opinião pública para novo despejo de recursos no mercado para evitar o abismo. No Brasil, muitos setores estão atolados em estoques; a atividade industrial está desacelerando; e os indicadores de preços projetam para este mês inflação negativa.

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Tudo isso aconteceu quase de repente, sem dar tempo para reverter a formação das expectativas. O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, bem que passou declarações um tanto cifradas na TV, pelas quais advertia que o Copom não toma decisões apenas com base no que já aconteceu, mas também em informações que ficam disponíveis somente no dia da reunião. No entanto, declarações à imprensa não têm o mesmo peso do que o que está escrito nos documentos oficiais.

A ata restringe-se a apontar o quadro que serviu de referência para a decisão. Em nenhum momento explica por que houve o curto-circuito no jogo das expectativas e, assim, os remadores trabalharam com velocidade diferente da que estava nas intenções das autoridades monetárias. Ficou a impressão que o Banco Central errou no diagnóstico anterior e que não foi capaz de reconhecer isso. Se tivesse dito que a realidade mudou em questão de dias sem ter dado tempo para preparar a opinião pública, não continuaria sendo alvo de tantas críticas. (Veja a Opinião.)

Opinião

Falha de comunicação. Se o Banco Central (BC) está convencido de que a boa comunicação com o público e a política de formação de expectativas são essenciais para a eficácia do regime de metas; e se sabe que a economia global opera em novo ritmo, sujeita a mudanças bruscas capazes de alterar a condução da política monetária em poucos dias, então, o atual sistema de comunicação do BC é inadequado.

Como mudar? Não pode a comunicação com o mercado e com os formadores de preços se limitar a dois documentos que nem sempre captam a volatilidade da economia: o Relatório de Inflação, que sai a cada três meses, e a ata do Copom, que sai apenas a cada 44 dias. Declarações informais feitas na TV podem ajudar, mas não têm a mesma força. Não são instrumentos eficientes para a condução das expectativas, especialmente quando o jogo muda de repente. Talvez a melhor maneira de responder a alterações assim sejam comunicados feitos por diretores em ocasiões especiais, no site do BC.

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Opinião por Celso Ming

Comentarista de Economia

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