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Jornalista e comentarista de economia

Opinião|Troca de xerife

A demissão do truculento ministro Guillermo Moreno, da Argentina, é o reconhecimento tardio do fracasso da atual política econômica do governo de Cristina Kirchner. Mas não é garantia de conserto.

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Atualização:

Formalmente apenas o secretário do Comércio Interior, Moreno era quem imperava de fato na política econômica do seu país. Para obter seus objetivos, intimidava, insultava, perseguia, falsificava. Chegou a receber negociadores com revólver sobre sua mesa de trabalho.

 Foto: Estadão

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Foi Moreno quem destruiu a credibilidade do Indec, o organismo encarregado das estatísticas oficiais, porque o obrigou a falsificar dados sobre inflação, PIB e desemprego. A inflação foi artificialmente baixada para a casa dos 9% ao ano enquanto a real, apontada por consultorias independentes, oscilou em torno de 25%. A revista The Economist anunciou em 2012 que deixaria de publicar, como de fato deixou, as estatísticas econômicas da Argentina, porque não tinham credibilidade.

Para tentar segurar a inflação, Moreno impôs o congelamento de preços e ameaçava com devassas, multas asfixiantes e bloqueio de matérias-primas os empresários que tentavam driblar seus despachos. Para evitar a fuga de dólares, foi também ele quem perseguiu os operadores do câmbio paralelo e impôs restrições à compra de moeda estrangeira (cepo cambial). Não teve escrúpulos em pagar despesas correntes do governo com reservas cambiais e impôs a política de travas às importações argentinas que tanto prejudicou o comércio do Mercosul.

O resultado dessa política foi a paralisia dos investimentos, desabastecimento (até mesmo na área do trigo, cuja produção é uma das maiores do mundo), prostração e, não menos importante, derrotas do governo nas duas últimas eleições regionais.

Bueno, se fué Moreno, qué sucede ahora? A área econômica será comandada por nova dupla: pelo ministro da Economia, Axel Kicillof, e pelo chefe de Gabinete, Jorge Capitanich. O próprio Moreno chamava o intervencionista e radical Kicillof, de quem não gosta, de "el soviético".

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É possível que seu primeiro movimento seja divulgar os números verdadeiros da inflação e restabelecer a credibilidade do Indec. Mas isso só retifica registros oficiais e pode consertar alguns aparelhos de medição. Os problemas subjacentes exigem soluções dramáticas e não se sabe se o combalido governo de Cristina está disposto a pagar o preço delas.

A ideia de estabelecer um regime de câmbio múltiplo, defendida por Kicillof, crava um dólar para exportações, outro para importações, outro para operações financeiras e outro ainda, para viagens ao exterior. É receita infalível para novas distorções, como superfaturamento das exportações e subfaturamento das importações.

A eventual moralização da inflação, por sua vez, deverá acirrar pressões por reajustes de preços e de salários. Por trás de tudo está a estratégia não revelada da sobrevivência política da presidente Cristina nos seus dois últimos anos de mandato.

CONFIRA:

O calo é nosso. A destituição do ministro Guillermo Moreno não deve ser entendida como questão puramente argentina. Os efeitos sobre o Brasil da política econômica por ele conduzida exigem questionamento sério da atitude excessivamente tolerante e conformista do governo Dilma para com esses excessos. Não travaram apenas as exportações brasileiras.

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Porteira fechada. Travaram também as negociações comerciais do Mercosul com outros blocos econômicos. Portanto, mantiveram fechados mercados importantes para os produtores do Brasil e ajudaram a aprofundar a desindustrialização brasileira.

Sem perspectiva. Afora isso, uma atitude de tolerância como essa só se justificaria se temporária, para aguentar uma má fase. No entanto, não há nenhuma perspectiva de mudança de rumos na política da Argentina. Para ser coerente, essa tolerância teria de ser perpetuada. Mas é por aí que correm os interesses do Brasil?

Opinião por Celso Ming

Comentarista de Economia

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