Conforme o programado, na "volta ao trabalho" Bolsonaro definiu o núcleo da reforma da Previdência, a partir das propostas que foram fechadas nesta semana pelo ministro Paulo Guedes. O ponto de partida era a opção entre a combinação de uma idade mínima única e mais elevada para aposentadorias de homens e mulheres com um prazo de transição mais longo ou, ao contrário, a junção de uma idade diferenciada e mais reduzida com uma transição mais rápida. Tudo para garantir o ganho fiscal que, segundo os cálculos mais do que otimistas da equipe econômica, vai a R$ 1,1 trilhão em 10 anos.
Bolsonaro acabou ficando com uma idade diferenciada para aposentadorias de homens e mulheres, de respectivamente 65 e 62 anos, e com um prazo de transição de 12 anos. Estica daqui, encolhe de lá, vingou uma alternativa que está sendo vendida como um meio termo entre a vontade do presidente e a de Paulo Guedes. O presidente preferia 65 anos para homens e 60 para mulheres, enquanto Guedes era a favor de uma idade única de 65 anos. Em compensação, o ministro era adepto de uma transição de 10 anos.
Na comparação com a proposta de Temer, a de Bolsonaro mostra-se mais dura, já que as idades mínimas são exatamente as mesmas, mas a transição é bem mais curta -- 12 anos frente a 20 anos. Por isso mesmo, já há quem veja nesse ponto um espaço razoável para negociação.
Mas, embora esse seja o ponto crucial da reforma, certamente não é o único que confronta as escolhas de Guedes com os interesses políticos de Bolsonaro. Também faz parte da lista de itens mais suscetíveis a pressões o corte nos valores dos chamados benefícios de prestação continuada (BPC), concedidos aos idosos e portadores de deficiência de baixa renda -- que ficariam bem abaixo do salário mínimo. Sem contar a interminável polêmica das regras para aposentadoria dos militares.
Desde o começo do governo, empresários, analistas e investidores pareciam confiar que uma reforma mais dura teria trânsito na ala política do Planalto e no Congresso. Mas alguns observadores já começavam a identificar em Bolsonaro uma tendência de "flexibilização" do receituário liberal -- como aconteceu, por exemplo, com o aumento do imposto de importação de leite em pó da União Europeia, para compensar o fim da taxa antidumping. Para quem não quer nem ouvir falar de subsídios, a medida soou como um mau sinal. Além disso, embora a coerência das declarações não seja o forte dos integrantes desse governo, martelava na cabeça de todo mundo o discurso repetido por Bolsonaro de que a melhor reforma é a que tem viabilidade política.
As primeiras definições sobre a reforma da Previdência, portanto, reacendem o ânimo nos mercados e nos setores produtivos -- pelo menos por enquanto. A grande dúvida, nesse caso, está no front político. Especialmente porque. a exemplo do que se viu na gestão Temer, quando o Executivo cambaleia, o Congresso "cobra" um preço maior para levar adiante as pautas que vêm do Planalto.
É verdade que o momento mostra-se favorável a um debate mais maduro sobre Previdência. Até porque, segundo a maior parte das avaliações do quadro econômico, tudo parece amarrado à reforma -- rearranjo das finanças públicas, retomada do crescimento e a própria governabilidade.Cresce o temor, porém, de que as trapalhadas patrocinadas pela família Bolsonaro e seus desdobramentos sobre a articulação política do governo deixem escapar esse momento.