O aumento dos planos de saúde coincide com as novas regras autorizadas pela Agência Nacional de Saúde (ANS), que fixou um limite de 40% para exames e consultas em planos de coparticipação e franquias. A grita foi tão grande que a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Cármen Lúcia, atendendo a um pedido da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), suspendeu a regra e argumentou que a discussão deveria ter sido feita no Congresso. A bola, como sempre, vai acabar com o plenário do STF.
Está aí, à vista de todos, uma mostra do embaralhamento entre os limites da autonomia do mercado, o papel das agências reguladoras, a competência do Judiciário e do Congresso. E assim por diante. Cadê o governo, perguntam defensores intransigentes do mercado livre? Para que servem as agências, perguntam outros? O Supremo tem de se pronunciar até sobre isso? São três das perguntas mais recorrentes, que se juntam a manifestações de revolta -- algumas impublicáveis -- principalmente de cidadãos da classe média, para quem os planos de saúde estão no topo da lista dos "inimigos" do momento.
Claro que não é simples a discussão desse caso. Os planos de saúde alegam que seus custos têm subido bem mais que a inflação: segundo a Unidas, entidade que reúne 120 operadoras de autogestão em saúde, aumentaram 89,4% de 2013 para 2017. A ANS destaca que tem competência para editar a resolução da coparticipação e franquias e vai insistir nela -- até porque foi examinada pela Advocacia Geral da União (AGU) e não houve nenhuma ressalva, em razão de ilegalidade ou inconstitucionalidade. A OAB diz que a norma da ANS "desfigurou o marco legal de proteção do consumidor". E a ministra Cármen Lúcia, bem ao seu estilo, justifica a suspensão com o discurso de que "saúde não é mercadoria, vida não é negócio é dignidade não é lucro".
Não há como ignorar, contudo, que os usuários dos planos de saúde estão sob pressão crescente. Especialmente num quadro de deterioração da saúde pública -- como demonstra à exaustão o quase colapso no atendimento em alguns hospitais e postos de saúde, justamente no momento em que até doenças consideradas extintas reaparecem e exigem mobilização extra das redes.
Se não é defensável a interferência no negócio das operadoras de planos de saúde, a ponto de comprometer seus resultados, também não é aceitável ficar parado diante dos evidentes desequilíbrios que estão ocorrendo no setor. Excesso de interferência já se viu que não funciona. Basta lembrar do sumiço dos planos de saúde individuais, submetidos a regras mais rígidas, e sua substituição por planos empresariais, legítimos ou "fake" -- para usar a palavra da moda --. que se caracterizam por maior flexibilidade. Mas aqui não se trata exatamente disso. Trata-se de pôr algumas travas aos exageros, deixando de lado a ilusão de que a concorrência, sozinha, cumprirá esse papel.
Talvez o contencioso das normas de coparticipação e franquias não precisasse ter ido tão longe e chegado ao Supremo. Não é de hoje e não é apenas na saúde que se questiona a atuação das agências reguladoras. Criadas para representarem os interesses da sociedade, em muitos casos as agências reguladoras, em geral, acabaram representando os interesses das próprias empresas.