EXCLUSIVO PARA ASSINANTES
Foto do(a) coluna

Bastidores do mundo dos negócios

Accor Hotels tem 80% da rede fechada e espera recuperar receita só em 2022

São Paulo, 29/04/2020 - A maior rede de hotéis do Brasil e uma das líderes globais, a francesa Accor Hotels (dona das marcas Ibis, Novotel, Mercure, Adagio, Pullman e Fairmont entre outras), tem hoje 80% dos seus 340 estabelecimentos fechados no País e prevê um acirramento da crise do coronavírus em maio, quando os quartos estarão praticamente todos vazios.

PUBLICIDADE

Por Por Circe Bonatelli
Atualização:

Com isso, a receita do grupo deve cair pela metade neste ano, projetou o presidente da companhia na América do Sul, Patrick Mendes. "Esperamos que só no fim de 2021 ou no início de 2022 chegaremos a um volume de receita equivalente ao de 2019. Ou seja, serão cerca de 18 meses para recuperarmos a receita que tínhamos", afirmou, em entrevista hoje ao Broadcast, serviço de informações financeiras do grupo Estado.

PUBLICIDADE

Mas há luz em meio à pandemia. Os hotéis de bandeiras econômicas do grupo na China já atingiram ocupação de 40% um mês e meio após a reabertura, enquanto aqueles de tarifa maior estão com 10% dos quartos ocupados no mesmo período, com tendência de alta.

No Brasil, a previsão é de reabertura gradual a partir de junho, acompanhado de uma retomada lenta. As operações nacionais representam 7% da receita global. Esse patamar era de 10%, mas caiu com a desvalorização recente do real frente ao dólar.

Para trazer de volta a clientela por aqui, o grupo vai evitar reduzir tarifas. Em vez disso, criou uma rede de protocolo de medidas sanitárias, com selo de certificação, na tentativa de dar mais segurança para os pedidos de reservas de quartos. "Vamos buscar tranquilizar o viajante e dizer que é seguro viajar", diz. Leia a seguir os principais trechos da entrevista:

Publicidade

Patrick Mendez, CEO da Accor Hotels na América do Sul. Crédito: Divulgação Foto: Estadão

Broadcast: Qual vai ser o tamanho do prejuízo por causa da crise do coronavírus?Patrick Mendes: Nossa estimativa é de que a receita (global) no acumulado de 2020 será 40% a 50% menor do que em 2019. Esperamos que só no fim de 2021 ou no início de 2022 chegaremos a um volume de receita equivalente ao de 2019. Ou seja, serão cerca de 18 meses para recuperarmos a receita que tínhamos.

Broadcast: Qual a situação da rede hoteleira da Accor no Brasil? O balanço da companhia referente ao primeiro trimestre informou que 62% da rede global foi fechada, mas que os impactos do coronavírus demoraram um pouco mais para chegar à América Latina.Mendes: A queda na ocupação dos hotéis começou realmente a partir de 10 de março, e os dados do balanço do primeiro trimestre ainda não revelam o que vai acontecer em maio, que será o mês mais violento da crise. No Brasil temos hoje 340 hotéis, com cerca de 80% (272) fechados. Os únicos abertos são os hotéis para residentes ou hotéis requisitados para servir de extensão dos hospitais, atender profissionais de saúde, pessoas em quarentena e viajantes aguardando repatriação. Mas isso representa uma ocupação marginal.

Broadcast: Quais serão os impactos nos meses de auge da pandemia?Mendes: Para abril e maio, a queda será de 90% a 95% nas hospedagens no Brasil em comparação com os mesmos meses do ano passado. E um hotel não consegue sobreviver com menos de 25% de ocupação. Então, é preciso decidir muito rapidamente o que fazer para lidar com a situação. O caminho é fechar esses hotéis neste momento, porque o custo de operação é muito elevado. E a perda não vai ser recuperada porque somos diferente de outros setores que conseguem estocar mercadoria. Para nós, esses dias serão perdidos.

Broadcast: Alguns desses hotéis podem acabar fechados de vez por causa dos impactos da crise?Mendes: Não acredito nisso. A crise vai ser muito pesada sobre o setor de turismo e hotelaria. Mas nós temos o plano de começar a reabrir a partir de junho. Isso vai depender das medidas a serem tomadas por cada um dos governos locais. E também vai depender da previsão de ocupação. Não vamos chegar a um nível 'aceitável' de ocupação em menos de seis a oito meses após a reabertura. Essa crise é a mais violenta de todas. Passamos por Sars, H1N1 e 2008, somos uma rede global e isso nos permite fazer esta análise.

Broadcast: Na rede global, há algum sinal de recuperação das atividades?Mendez: Em nossas operações na Ásia e na Europa tivemos alguns sinais que dão luz, especialmente na China. Temos 5 mil hotéis lá e somos sócios da Huazhu, segundo maior operador da China. Após seis semanas fechados, as unidades da Huazhu começaram a abrir entre fevereiro e março. Hoje 95% estão abertos e com sinais muito bons. Na Huazhu 40% estão ocupados e a previsão é de chegar a 65% no próximo mês. São hotéis econômicos, equivalentes ao Ibis, e mostram que há clientela doméstica. E os hotéis chineses da bandeira Accor, de tarifa mais alta, abriram com ocupação mais baixa, na ordem de 10%, e no segundo mês deve chega em 25% a 30%. Isso mostra que o desconfinamento e a retomada da economia são a base. A volta dos hóspedes é a consequência.

Publicidade

Broadcast: Qual tipo de hóspede vai procurar primeiro os hotéis depois da quarentena?Mendes: Primeiro começa pelas hospedagens de pessoas em viagens de trabalho. Depois vêm as pessoas que estão viajando para o reencontro de familiares que estão sem ver há muito tempo. Por último lazer puro.

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

Broadcast: Mas as pessoas vão ter condições de viajar a lazer com esta crise?Mendez: Parte das pessoas vão ter problema de caixa e não vão conseguir viajar. Mas lazer pode surpreender porque há vontade de rever família e descansar da quarentena. A maior procura será pelas viagens domésticas. O dólar alto, somado aos bloqueios de fronteiras pelos governos, que não sabemos bem quanto tempo vai durar, vão desestimular as viagens para fora do País. Essa tendência vai durar por seis a nove meses após a reabertura. Vai ser uma época em que o brasileiro vai descobrir o Brasil. O turismo no segundo trimestre será zero, e a partir do terceiro trimestre recomeçará lentamente.

Broadcast: A rede Accor vai baixar valor das diárias ou trabalhar em alguma campanha específica para recuperar clientes?Mendes: Nós tivemos uma crise no Brasil por três anos antes desta crise. De 2016 a 2018, as diárias caíram e até agora não tínhamos recuperado o valor das tarifas. Então, não acredito que baixar o valor da tarifa vai ser a solução. Vamos buscar tranquilizar o viajante e dizer que é seguro viajar.

Broadcast: Como assim, tranquilizar o hóspede?Mendes: Fechamos nesta semana um acordo com o Bureau Veritas (empresa de testes, inspeção e certificação) para estabelecer um protocolo, com selo de certificação de higienização e conduta dos hotéis. Esse protocolo terá orientação para uso de máscaras, álcool gel, mudança em filtro de ar condicionado, reforço na limpeza de quartos, entre outros vários processos que estamos mudando para que o cliente de amanhã fique tranquilo em viajar. A decisão de viajar não vai ser porque alguém baixou um pouco o valor da tarifa, mas pelo sentimento de segurança. O foco será o investimento em comunicação. Somos líderes deste movimento no Brasil, e a ideia é estender para toda a indústria hoteleira.

Broadcast: O grupo Accor tem um plano de investimentos que prevê a abertura de 1,2 mil hotéis no mundo todo, dos quais 76% em mercados emergentes como o Brasil. O que vai acontecer com esse plano?Mendez: Por enquanto, não houve encerramento em nenhum dos hotéis em construção. A construção dos hotéis continua, apenas com a tendência de prorrogação das inaugurações em três a quatro meses. Queremos ter 500 hotéis em operação em 2023 na América do Sul, 75% disso no Brasil, e isto continua. O nosso plano de crescimento é orgânico, e o investidor hoteleiro olha o longo prazo. A visão é de 40 anos, não de três.

Publicidade

Broadcast: As associações de hotelaria têm buscado apoio do governo na crise. Quais os principais pleitos do setor ?Mendes: Estamos tentando sensibilizar o governo de que turismo, hotelaria e companhias áreas foram os mais impactados pela crise, com queda de receita de 80% a 95%, e que a retomada vai demorar mais a acontecer do que outros setores. Por isso, pedimos que haja uma ajuda por quatro a seis meses. Um dos pleitos já foi atendido na forma da Medida Provisória 936, que permitiu às empresas suspender contratos de trabalho. Isso ajudou a preservar uma boa parte dos 400 mil trabalhadores na hotelaria no Brasil. Se somar os pequenos hotéis e pousadas, aí são 1 milhão de vagas diretas.

Broadcast: Mesmo com a MP 936, a rede Accor demitiu?Mendez: Nós tivemos que demitir. Não tem como não fazer nesta crise. E os franqueados também. Na nossa sede administrativa são 550 pessoas ao todo, e cerca de 10% foram demitidos. Foi pouco graças à Medida Provisória. Do lado das operações, muitos hotéis tiveram que demitir entre 30% e 40% dos funcionários, porque não há expectativa de retorno rápido. Daí a importância de sensibilizarmos o governo sobre uma ajuda que dure.

Broadcast: Quais os outros pleitos para o governo?Mendes: Outro pleito são linhas de crédito. Precisamos de capital de giro, porque as receitas caíram. Pedimos ajuda via BNDES e bancos estatais para acessar linhas de crédito. Já saíram algumas coisas para as empresas pequenas. Faltam as médias e grandes. Estamos avançando. O governo está sensibilizado e tentando ajudar. Outra coisa que pedimos é carência para pagamento de commodities, como contas de água e energia.

Broadcast: E a Accor, o que tem feito para ajudar funcionários e parceiros?Mendes: Lançamos um fundo há dois dias. Nós não vamos distribuir dividendos para os acionistas, e o dinheiro vai para esse fundo. São 70 milhões de euros. O dinheiro será usado para ajudar colaboradores e parceiros. Vamos analisar a situação e ajudar no tratamento de saúde. Além disso, continuamos a disponibilizar os hotéis para profissionais da saúde e pessoas em quarentena a preço de custo.

Contato: colunabroadcast@estadao.com

Publicidade

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.