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Brasil vai na contramão climática e fica mais longe de US$ 20 tri

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Foto do author Fernanda Guimarães
Foto do author Altamiro Silva Junior
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O Brasil caminha na contramão da agenda ambiental internacional e poderá sofrer um prejuízo incalculável em sua economia, em um momento em que todo o mundo recebe uma injeção de liquidez sem precedentes. Além das notórias perdas para o meio ambiente, temática que ganhou ainda mais urgência em todo o mundo em meio à pandemia, as empresas brasileiras podem perder acesso a mais de US$ 20 trilhões que estão nas carteiras de fundos que têm investimentos com o olhar em algum critério ambiental, social ou de governança (ESGs, na sigla em inglês), conforme dados coletados pelo Broadcast.

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Um gestor em Londres, que administra uma carteira voltada para mercados emergentes, destaca que a questão da sustentabilidade e mudanças climáticas vem dominando a agenda de conversas no setor de investimento, mas o Brasil está se distanciando deste debate e corre dois riscos imediatos: perder capital de fundos comprometidos com estas práticas e não atrair mais recursos de gestoras com estas preocupações. Cada vez mais, observa este gestor, decisões de investimento e alocação de capital levarão em conta critérios ambientais e sustentáveis.

A ameaça de saída de investidores do Brasil começou no ano passado, momento em que as queimadas na Amazônia sofreram uma escalada, com a crise sendo mitigada pelo governo de Jair Bolsonaro, que recebeu, na época, críticas de líderes de grandes potências mundiais, como a França. O assunto apenas cresceu desde então e Bolsonaro, nesta semana, admitiu que a imagem do Brasil em relação ao comprometimento com o meio ambiente "não está boa" no exterior, mas disse que isso ocorria por "desinformação", ignorando dados recentes sobre a continuidade do desmatamento no País. Com isso, outros gestores, que diante da grande liquidez nos mercados começaram a buscar novos investimentos em todo o globo, começam a tirar o Brasil do mapa do investimento. "As questões ambientais recentes no Brasil são uma fonte crescente de preocupação", afirma a gestora holandesa Robeco.

Embora ainda seja uma parcela pequena do universo mundial do setor de fundos, o patrimônio das carteiras dedicadas especificamente ao ESG triplicou desde 2015, para US$ 1 trilhão, de acordo com dados do Instituto Internacional de Finanças (IIF), formado pelos 450 maiores bancos do mundo, com sede em Washington. A expansão tem sido concentrada na Europa e nos Estados Unidos. Em tempos de juros zero ou negativos, como estas carteiras vem conseguindo mostrar retornos melhores que outros tipos de aplicação, a tendência é que a expansão prossiga em ritmo acelerado, ressalta o relatório. Gigantes como a BlackRock e a Pimco lançaram carteiras com este perfil nos últimos anos. Mais de metade dos US$ 20 trilhões dos recursos que demandam o cumprimento de algum critério ESG vem de gestoras dos Estados Unidos, com US$ 12 trilhões, de acordo com o Fórum para Investimentos Sustentáveis e Responsáveis dos Estados Unidos (USSIF).

Mesmo com o forte estresse causado pela pandemia no mercado acionário e de dívida, sobretudo no início, em fevereiro e março, o estudo do IIF constatou que 85% destas carteiras tiveram desempenho melhor que fundos tradicionais. No caso dos fundos de ações, chegou a ser de 8 pontos porcentuais a mais. Na renda fixa, 80% tiveram desempenho melhor que seus pares tradicionais neste segundo trimestre. "O desempenho relativo de ativos sustentáveis foi notável este ano", destaca o IIF.

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Mas não são apenas fundos sustentáveis que estão em expansão, universo que o Brasil corre o risco de ficar de fora. O estudo do IIF mostra que tem sido crescente entre os investidores a demanda por dívida de empresas com compromissos sustentáveis. Apenas este ano, as emissões de bonds sustentáveis e/ou empréstimos com este perfil superou US$ 200 bilhões.

Fabio Alperowitch, sócio-fundador e gestor da Fama Investimentos, gestora que seleciona empresas para sua carteira utilizando critérios ESG, uma das pioneiras no Brasil, afirma que, no País, ao contrário de todo o mundo, ainda se tinha questionamentos sobre a existência de mudanças climáticas e a pandemia trouxe "luz" à ciência, ajudando, como consequência, a questão ambiental. "A mudança climática é muito mais devastadora do que a covid e não tem cura ou vacina", disse em Live organizada pela Genial Investimentos.

"É com profunda preocupação que acompanhamos a tendência de aumento do desmatamento no Brasil", afirma logo no início uma carta enviada esta semana por 30 gestoras europeias, que administram quase US$ 4 trilhões, a embaixadas do Brasil. Os gestores pedem uma audiência com o governo brasileiro. "Instamos o governo do Brasil a demonstrar compromisso claro com a eliminação do desmatamento." A carta é assinada por nomes como o grupo finlandês Nordea Asset Management, o holandês Robeco, a britânica Legal & General Investment Management (LGIM) e a norueguesa Storebrand Asset Management. O texto vem menos de um mês depois de o fundo soberano da Noruega, o maior do mundo, excluir a Vale de sua carteira de investimentos por violar boas práticas ambientais.

O chefe no Brasil da Principles for Responsible Investment (PRI, em português, Princípios para Investimento Sustentável), Marcelo Seraphim, destaca que o Brasil vem enfrentando entraves no movimento de sustentabilidade, principalmente por conta da agenda governamental, que, segundo ele, está desalinhada com o que o mercado pensa sobre essas questões. "Mas com a força dos investidores conseguimos alterar, inclusive, como o governo vem tratando essas questões para conseguimos evoluir em política de sustentabilidade". Mesmo com essa postura do governo, o número de signatários no Brasil do PRI cresceu 30% neste ano, comenta Seraphim, em "live" da Genial.

Esse é o novo normal

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No começo deste ano, em uma das cartas de gestoras mais aguardadas no mercado mundial, o presidente da BlackRock, Larry Fink, não decepcionou as expectativas e colocou a questão climática como o ponto cerne dos investimentos no mercado atual e disse que o mundo vive uma "mudança estrutural nas finanças". "Estas questões estão conduzindo uma reavaliação profunda do risco e do valor dos ativos. E como os mercados de capitais projetam riscos futuros, veremos mudanças na alocação de capital acontecerem mais rapidamente do que as mudanças no clima. Num futuro próximo - e mais cedo do que muitos preveem - haverá uma realocação significativa de capital", diz o chefe da maior gestora do mundo, com US$ 6,96 trilhões sob gestão.

"Questões de sustentabilidade deixaram de ser um diferencial competitivo para ser condição para competir, isso está dado", afirma a presidente do Conselho Consultivo da Global Reporting Initiative (GRI Brasil) e vice-presidente do Conselho Técnico-Consultivo do Carbon Disclosure Project (CDP), Sonia Favaretto.

A matéria acima foi originalmente publicada no Broadcast, em 25/06/2020, às 14:00:23

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