Na Cultura, as mudanças na proteção judicial, ainda pendentes na Justiça, chamam atenção pela alegação da rede de que transferir seu negócio para os canais virtuais de forma instantânea não é possível. Em uma das petições enviadas ao Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), a alegação foi de que não há "possibilidade e intenção" de virar a chave diante das sérias restrições financeiras pelas quais passa a empresa.
A situação pegou a Cultura no contrapé. Conhecida por suas megastores que misturam livros e espaços de convivência, a empresa teve de baixar as portas de todas elas, e o faturamento despencou. Em maio, foi de R$ 2,970 milhões - cerca de 80% a menos do que no mesmo mês de 2019. O caixa minguou para R$ 542 mil, suficiente para cobrir as despesas com aluguéis e com fornecedores, e nada mais.
Endividada, a Cultura tem poucas fontes de financiamento, e as torneiras, que já estavam fechadas há anos, ficaram ainda mais longe de reabrir com a pandemia. "A Cultura sustenta as atividades com o fluxo de caixa da operação. Os bancos já não financiam a empresa há bastante tempo. Neste sentido, não houve uma piora da situação", comenta Fabiana Solano, sócia da área de Recuperação Judicial, Insolvência e Reestruturação do Felsberg Advogados, que assessora a empresa.
Os números também colocam a rival Saraiva em uma corrida contra o tempo. No segundo trimestre, as vendas caíram 83%. No e-commerce, vertical em que a companhia é pioneira no Brasil, a baixa foi de 58%, graças à estratégia da Saraiva de apostar todas as fichas na venda de livros, cortando produtos de menor margem para reduzir a queima de caixa. Em julho, as vendas foram 77% menores que no mesmo mês de 2019.
Nesta semana, a companhia propôs colocar à venda o site, as lojas físicas ou um pacote que inclua as duas operações para recompor o caixa diante da asfixia financeira, reconhecida pelos administradores judiciais no relatório de julho. Procurados, os representantes judiciais da companhia não responderam até a publicação desta nota.
No início do ano, a Cultura fez um movimento semelhante ao vender a Estante Virtual para o Magazine Luiza por R$ 31 milhões. Os recursos entraram em caixa em fevereiro. Um mês depois, a covid-19 mudou totalmente a perspectiva para o setor.
Um produto, dois preços
Embora sejam fortes no e-commerce, a Cultura e a Saraiva não conseguem competir de igual para igual com gigantes do varejo online, como a americana Amazon e as brasileiras B2W (dona do Submarino) e Magalu. Isso porque as redes de livrarias precisam estar com estantes sempre cheias em lojas que pagam caros aluguéis. E não necessariamente os livros que ocupam aquele espaço serão vendidos.
"A livraria hoje é um espaço de descoberta, de relacionamento, não de procura", comenta Marcos da Veiga Pereira, presidente do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL) e sócio da Editora Sextante. Ele aponta que o consumidor busca nos sites os livros que quer comprar, e completa a compra na internet porque os preços são menores - o que fere as margens de empresas que têm um pé no mundo físico e outro no virtual.
A maior penetração do e-commerce é visível nos preços praticados pelo setor. O Painel do Varejo de Livros no Brasil, parceria do SNEL com a Nielsen, mostrou que entre agosto e setembro, vendeu-se 26% mais livros no País que um ano antes, mas com um desconto médio sobre os preços de capa 8 pontos porcentuais maior, de 30%. "Isso é efeito das promoções online, que impulsionaram as vendas", diz Pereira.
Por outro lado, os dados agregados também mostram uma retomada 'em V' do volume vendido e das vendas acumuladas no ano, que já chegam a R$ 1,124 bilhão. É um sinal positivo, mas o presidente do SNEL acredita que essa retomada não será através das duas redes, que foram emblemáticas da expansão e da contração do setor na última década. "Saraiva e Cultura estão super debilitadas, mas outras estão reabrindo e abrindo novas lojas. Durante a pandemia, nós vimos que o brasileiro está disposto a ler."
Esta reportagem foi publicada no Broadcast+ no dia 14/10/2020 às 17:04:22 .
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