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Bastidores do mundo dos negócios

Depois de entrar de cabeça na guerra das maquininhas, Cielo muda armas e foca varejo

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Por Aline Bronzati (Broadcast)
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Foto: Gabriela Biló/Estadão

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Depois de se valer de todas as armas que tinha em mãos para cavar um espaço na 'guerra das maquininhas', a Cielo desistiu de se digladiar com seus rivais a qualquer preço. O foco, agora, está voltado menos para os pequenos empreendedores e mais para o meio da pirâmide, explorando o varejo. Na mira, estão lojistas com faturamento de R$ 120 mil a R$ 15 milhões por ano, que além de mais rentáveis, estão sendo os primeiros beneficiados com a lenta retomada econômica do País.

A mudança de direção vem após os resultados da número um do setor encolherem pela metade no ano passado. Com a estratégia de crescer market share e estancar anos de perda de mercado, a Cielo conseguiu bater 1,6 milhão de clientes ativos, mas, em troca, viu seu lucro líquido despencar quase 50%, para R$ 1,58 bilhão ante 2018. O novo patamar é o mesmo esperado, por exemplo, pela concorrente PagSeguro, do Uol, que já tem 5 milhões de maquininhas espalhadas pelo País.

"Temos plena convicção de que estamos no caminho certo. Sabíamos da consequência de entregar um lucro menor em 2019 e optamos por isso", justificou o presidente da Cielo, Paulo Caffarelli, em coletiva de imprensa, na manhã de ontem, dia 28, para comentar os resultados da companhia.

O executivo tentou minimizar o novo mantra da Cielo, alegando que não se trata de uma mudança de estratégia, mas a necessidade de buscar resultado após a companhia ter conseguido voltar para o jogo. Depois de adicionar 238 mil novos clientes no ano passado, a Cielo entende que é hora de arregaçar as mangas e trabalhar o que já tem dentro de casa e buscar a racionalização. "Isso é básico na gestão de uma empresa do tamanho da Cielo", justificou Caffarelli.

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Para crescer no varejo, a companhia criou um novo direcionamento de atuação, batizado de "turbina varejo". Uma das armas para se consolidar no segmento são justamente os mil novos vendedores, apelidados pela Cielo de hunters, contratados no ano passado para reforçarem a força própria de companhia.

O esquadrão foi responsável por atrair a maior parte dos novos clientes adicionados em 2019. Dos 238 mil, 175 mil vieram pelas mãos dos hunters. De quebra, a Cielo conseguiu fortalecer sua equipe própria de vendas, que representou 83% da atração de novos clientes no ano passado ante 50% em 2018, diminuindo, assim, a dependência dos canais bancários. Deu tão certo que a Cielo considera, inclusive, incrementar o time com mais 'hunters' se necessário.

Por outro lado, o público de empreendedores pode ficar em segundo plano. Isso porque a Cielo não está disposta a gastar mais munição com a principal arma para atrair esse público, que é o subsídio de maquininhas. De acordo com o vice-presidente de finanças da companhia, Gustavo Sousa, o nível de subsídio no setor saltou de 30% do preço total do equipamento em 2018 para 70% no ano passado.

"A prática de subsidiar maquininhas é uma das armas mais importantes junto a empreendedores. Com o subsídio atual de maquininhas, a conta fecha, mas não vamos aumentá-lo", explicou o vice-presidente da Cielo.

Apesar de ter voltado os holofotes para os resultados, a companhia não quis se comprometer com guidances de desempenho. Prefere, nas palavras de Caffarelli, ter "liberdade" para atuar, uma vez que ainda precisa de "musculatura" para a guerra das maquininhas, que ainda está longe do fim. É, conforme ele, uma corrida de longa distância.

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O executivo afirmou ainda que a administração da companhia desconhece qualquer intuito dos sócios controladores de fechar o capital. Questionado sobre se essa já é uma realidade mais próxima diante do preço das ações da empresa na bolsa, ele não comentou.

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Para o Citi, a Cielo tem chances de voltar a entregar crescimento de lucro quando concluir o processo de reprecificação da sua base de clientes, considerando as perspectivas de expansão de dois dígitos. O movimento já atingiu 75% do todo e a expectativa da companhia é concluí-lo no primeiro trimestre, no máximo em abril.

Além dos novos direcionamentos da Cielo, o que ajudou a reverter o desempenho das ações da número um do setor de maquininhas na bolsa foram as novas condições de remuneração negociadas com os bancos sócios, Bradesco e Banco do Brasil. Em paralelo ao anúncio de resultados, na noite de ontem, a companhia informou uma revisão nos parâmetros adotados até então. Antes ancorada no volume, agora, a remuneração que a Cielo dá aos bancos por captarem clientes para suas maquininhas terá como premissa uma rentabilidade mínima para disparar o gatilho de 10 pontos base sobre o volume financeiro de transações elegíveis.

A notícia agradou analistas e investidores, uma vez que permitirá à Cielo poupar recursos em 2020. Há alguns anos, o Bradesco chegou a divulgar um ganho de R$ 300 milhões com a remuneração vinda da operação de maquininhas, chamada no mercado de rebate. "Além dos controladores receberem este rebate em dinheiro, após o atingimento de determinadas metas que envolviam principalmente o credenciamento, o rebate também poderia ser convertido em desconto da taxa do lojista (MDR, na sigla em inglês)", lembra o diretor de renda variável da Eleven, Carlos Daltozo, e analista Tatiana Brandt.

Pelos cálculos de Domingos Falavina, do JPMorgan, a companhia gastava em torno de R$ 1 bilhão com a remuneração aos bancos e, a partir da nova política, poderá cortar a despesa para algo entre R$ 400 milhões e R$ 500 milhões. A Cielo não confirmou os números. Apesar da cobrança do mercado, a justificativa usada por Caffarelli foi a de que a companhia está no meio de negociações com outros bancos e que, neste momento, essa informação é estratégica. Um dos certames é a disputa para ser a 'maquininha oficial' da Caixa Econômica Federal, que estrutura uma holding de negócios na área de pagamentos para depois levá-la à bolsa.

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"A realidade do mercado hoje é completamente diferente. As receitas das bandeiras quase que dobrou, a taxa de desconto ao lojista baixou quase 30% nos últimos anos. A nova remuneração nos permite ter resultados melhores na operação", detalhou Caffarelli.

Diante da falta de confirmação, os analistas se debruçaram em cálculos possíveis em uma tentativa de mensurar o impacto da mudança para a companhia. Para Daniel Federle, Marcelo Telles, Felipe Cheng, Otavio Tanganelli e Juan Pablo Alba, do Credit Suisse, os novos termos de remuneração entre a Cielo e os bancos são levemente melhores que o esperado. "Nós estimamos que o novo acordo poderia reduzir significativamente os custos de rebate (bonificações aos bancos) em 2020 - em torno de R$ 230 milhões ao ano", calculam eles, em relatório ao mercado.

Apesar de abrir mão da briga por clientes cujo preço não compensa, a Cielo ainda vê um cenário desafiador para 2020, com concorrência aquecida e pressão sobre as margens. Pesa, sobretudo, a pulverização de players no segmento. Se em 2015 haviam apenas três 'donas de maquininhas', hoje esse número passa de 325 empresas, entre adquirentes e subadquirentes.

O cenário reforça a visão da Eleven Financial de que a estimativa da inflexão da tendência de queda do lucro líquido da Cielo virá apenas em 2021. Os resultados fracos de 2019, a despeito do aumento de clientes e do volume capturado nas maquininhas, pesaram no desempenho das ações da número um na bolsa. Depois de terem aberto o pregão em queda de 5%, inverteram o sinal em meio às sinalizações dadas pela companhia. Com o cenário digerido, as ações da Cielo fecharam o pregão de ontem dia 28, com alta de 3,57%, cotadas a R$ 7,25.

Notícia publicada no Broadcast no dia 28/01/2020, às 18:08:58

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