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Bastidores do mundo dos negócios

Indenização pela devolução da concessão será bilionária, diz presidente de Viracopos

Por Juliana Estigarríbia
Atualização:
Gustavo Müssnich, presidente da Aeroportos Brasil Viracopos (ABV). Foto: Ricardo Lima/ABV

 

Em meio a maior disputa do setor aeroportuário atualmente, a Aeroportos Brasil Viracopos (ABV), que administra a concessão do terminal de Campinas (SP) que está em processo de devolução, comemora os resultados do ano. No primeiro semestre, a concessionária reportou recorde na movimentação de cargas, com um total de 179,2 mil toneladas, e cerca de 1,2 milhão de passageiros a mais do que nos primeiros seis meses de 2021. A ABV projeta faturamento de R$ 1,2 bilhão para 2022.

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Em sua primeira entrevista após dois anos de reveses do caso, o presidente da concessionária, Gustavo Müssnich, afirma que a relicitação do terminal, estimada pelo governo federal para daqui a dois anos, talvez não seja do "melhor interesse público". Para ele, o poder concedente deixou de cumprir obrigações previstas no contrato, provocando o desequilíbrio financeiro da concessão, que é superavitária mesmo se tivesse que pagar a outorga devida. Müssnich diz ainda que a ABV só devolverá a concessão mediante pagamento de indenização "justa", cujo valor deve ser "bilionário". Confira os principais trechos da entrevista:

Broadcast: Como foi o processo de devolução da concessão de Viracopos?

Gustavo Müssnich: Houve inadimplemento por parte da concessionária, mas quem inadimpliu primeiro foi o governo. Alguns eventos são relevantes e impactaram a nossa receita. O primeiro foi a redução por parte do poder concedente, de forma unilateral, da tarifa "teca-teca" (que incide sobre a carga), que caiu de R$ 0,50 centavos por quilo para R$ 0,08 centavos/kg na primeira semana após o leilão. Passados cerca de 5 anos, fizemos pedido de reequilíbrio e a Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) concedeu apenas reequilíbrio parcial, ainda hoje estamos disputando essa diferença em tribunal arbitral. Outra questão diz respeito à área entregue à concessionária. O governo entregou apenas 20% do terreno previsto no edital de licitação para a construção de um 'aeroporto cidade', tínhamos um plano de exploração imobiliária bastante agressivo, comercialmente falando, como não recebemos essa área, não conseguimos tocar esse plano.

Tudo isso foi impactando a nossa capacidade de gerar receita e, com a crise de 2016, deixamos de pagar pela primeira vez a outorga em 2017. Tentamos a partir daí acelerar os procedimentos de reequilíbrio contratual, mas não tivemos sucesso. Foi aí que a Anac iniciou processo de caducidade da concessão. O governo deixou de cumprir outras obrigações previstas no contrato e tudo isso provocou o desequilíbrio financeiro da concessão, levando ao pedido de recuperação judicial. Em julho de 2020, o aeroporto de Viracopos foi qualificado no PPI (Programa de Parcerias de Investimentos), após o governo colocar a devolução como condição para aprovar a recuperação judicial.

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Broadcast: Em sua avaliação, à época do leilão a estimativa de demanda foi inflada?

Müssnich: Sem dúvida, talvez não tivéssemos essa noção, mas à época tínhamos um ambiente de extremo otimismo no País em relação ao PIB. Hoje, percebemos que de fato houve uma estimativa de demanda muito elevada, seja de carga, seja de passageiros. Atualmente, deveríamos fazer o dobro de passageiros que estamos fazendo. Se tudo correr bem, devemos atingir mais de 11 milhões de passageiros este ano, mas no estudo de viabilidade do projeto há 10 anos esse volume era o dobro.

Broadcast: A concessão enfrentou problemas com mais de um governo?

Müssnich: O contrato dispõe de ferramentas para fazer todos os ajustes necessários e houve dificuldade por parte do poder concedente de cumprir com as obrigações de reequilíbrio. A demanda era um risco assumido pelo concessionário, mas todas as outras questões o poder concedente tinha obrigação de reequilibrar o contrato. Se esses ajustes tivessem sido feitos, independentemente da demanda, estaríamos numa condição de adimplemento hoje.

Broadcast: Qual a estimativa de indenização devida pelo governo?

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Müssnich: Há três árbitros trabalhando nisso. As alegações iniciais da nossa parte já foram apresentadas, a Anac já apresentou respostas e agora estamos aguardando manifestação dos árbitros, o que pode acontecer a qualquer momento. Construímos o novo terminal de passageiros e outros investimentos foram feitos em pátios, pistas, edifício-garagem, entre outros. Apresentamos no ano passado à Anac um número de R$ 4,6 bilhões, que foi assegurado pela E&Y (que era nossa auditoria externa). Se atualizarmos esse valor, incluindo investimentos mais recentes, além da depreciação, esse número chegaria a pouco mais de R$ 5 bilhões. Desse total, vamos deduzir todas as outorgas que não foram pagas, de 2017 a 2022, vamos deduzir eventual multa que o tribunal arbitral entenda como devida, e somar os vários reequilíbrios. A conta é muito difícil pela complexidade do caso, mas acreditamos que vai ser uma indenização bilionária, certamente com impacto na equação do novo concessionário.

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Broadcast: Como essa indenização será paga?

Müssnich: Na Medida Provisória 1.089/2021, conhecida como MP do Voo Simples, alteraram um dispositivo que previa que a indenização teria que ser paga pelo novo concessionário. Em vez disso, o novo dispositivo permite que uma eventual diferença da indenização possa ser paga pela União através dos cofres públicos e até precatórios. O objetivo do governo é destravar o processo de relicitação, com o pagamento de um valor que a União concorde, assim nós entregamos o ativo enquanto há uma disputa na câmara arbitral, que pode levar anos, para no futuro recebermos um papel do governo. Isso fere o dispositivo da lei que previa a devolução do ativo somente quando houvesse o pagamento da indenização.

Broadcast: O senhor acredita que trata-se de divergências de interpretação da lei?

Müssnich: A MP traz insegurança jurídica para nós, que assinamos um termo aditivo na vigência de outra legislação. É preciso respeitar quem tinha assinado um termo aditivo, que é um ato jurídico perfeito.

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Broadcast: A concessionária está disposta a devolver a concessão somente com o pagamento integral da indenização? Se o governo pagar apenas uma parte, a disputa vai continuar?

Müssnich: Sim, nosso objetivo é receber a indenização justa e, em nossa visão, o valor justo será aquele decidido em tribunal arbitral.

Broadcast: Como a Anac e o governo vêm se manifestando sobre o tema?

Müssnich: Todo mundo está trabalhando para concluir o cálculo (da indenização), não vejo movimento que não seja nesse sentido, mas o processo é complexo mesmo. Os times estão alinhados aqui, na Anac, conversando semanalmente para tudo avançar.

Broadcast: Se em até dois anos a disputa arbitral não estiver concluída, a concessionária teria que entrar com pedido para estender o prazo de relicitação?

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Müssnich: Possivelmente sim, mas isso depende de alinhamento entre as partes. É difícil antever o que acontecerá até lá, mas acreditamos que é factível concluirmos o procedimento nesse período, mas se não acontecer, teríamos que conversar de novo.

Broadcast: Quanto foi investido desde o início da concessão?

Müssnich: O valor do novo terminal é da ordem de R$ 3 bilhões, nosso saldo de imobilizado não depreciado é de R$ 5 bilhões. Acabamos de completar 10 anos de concessão, apesar da pandemia, o projeto amadureceu muito, já alcançamos receita de equilíbrio. O que me parece é que o governo deveria avaliar a conveniência e oportunidade da relicitação. O poder público quer relicitar um aeroporto com metade do tamanho que foi prometido.

Broadcast: Seria melhor que a concessão ficasse com a ABV?

Müssnich: Podemos até ficar com a concessão, talvez não seja do melhor interesse público relicitar, porque afinal de contas o governo vai gastar dinheiro com a indenização e receber menos recursos provenientes das outorgas futuras do novo concessionário. A tendência é que esses valores sejam menores que os nossos, porque ainda que o contrato seja reequilibrado, vão relicitar um sítio aeroportuário com metade do tamanho inicialmente previsto. Honestamente, tenho dúvidas se isso é vantajoso.

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Procurada, a Anac enviou o seguinte posicionamento:

"É válido esclarecer que os contratos de concessão permitem revisões extraordinárias ou reequilíbrios econômico-financeiros, única e exclusivamente quando da materialização de eventos alocados expressamente como risco do poder concedente. Adicionalmente, os contratos estabelecem que as revisões extraordinárias objetivam compensar as perdas ou ganhos da concessionária devidamente comprovados.

O reequilíbrio cabe apenas na medida dos prejuízos efetiva e comprovadamente causados a fim de cumprir com o objetivo de recompor o equilíbrio econômico-financeiro do contrato. Nesse contexto, é natural que as concessionárias apresentem pleitos com premissas favoráveis às suas alegações, produzindo pedidos de reequilíbrio em montante superior que é efetivamente devido. Logo, a fim de resguardar o interesse público, é necessária a análise cuidadosa de todas as informações e premissas adotadas para a correta avaliação do impacto causado pelo evento que ensejou o pleito.

Dito isso, informa-se que a concessionária apresentou diversos pleitos cujos fatos não se amoldam à matriz de riscos contratual, não permitindo o reequilíbrio por parte da agência. Ou seja, trata-se de eventos que constituem risco de negócio, alocados à concessionária pelo contrato de concessão.

Por sua vez, no tocante aos pleitos procedentes quanto à causa de pedir, a Anac buscou, após extensa fase de instrução processual, estimar o montante considerado mais aproximado dos fatos narrados a fim de garantir o direito ao reequilíbrio e resguardar o interesse público. Contudo, tendo em vista a divergência de entendimento entre a agência e a concessionária, seja quanto ao indeferimento de determinados pleitos ou quanto à aferição dos prejuízos alegados, a discussão corre em instância arbitral."

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Esta reportagem foi publicada no Broadcast+ no dia 27/07/2022, às 17:49.O Broadcast+ é uma plataforma líder no mercado financeiro com notícias e cotações em tempo real, além de análises e outras funcionalidades para auxiliar na tomada de decisão.

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