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Bastidores do mundo dos negócios

Locaweb atrai fundos "tech" gringo para IPO e tecnologia pode ter mais reforço na B3

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Por Fernanda Guimarães
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Veterana do setor de tecnologia no Brasil, a companhia de hospedagem de sites Locaweb atraiu para sua oferta inicial de ações (IPO, na sigla em inglês) fundos gringos especializados em tecnologia. Assim, quebra a tese, já disseminada, de que esses investidores não compram diretamente no mercado brasileiro. A expectativa é que a oferta bem sucedida possa atrair outras empresas do setor à abertura de capital na Bolsa local, ao invés de seguirem o caminho trilhado por outras do ramo recentemente, que o fizeram em Bolsas norte-americanas.

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"Empresas de elevado grau de crescimento (high growth) terão boa avaliação no mercado, inclusive na Bolsa brasileira. A demanda do mercado é alta por esse tipo de ativo", disse uma fonte de mercado, na condição de anonimato. No IPO da Locaweb, os pedidos de reservas superaram os R$ 20 bilhões. A companhia chegará à B3 com um valor de mercado de R$ 2,6 bilhões, múltiplo de mais de 30 vezes o lucro projetado para este ano. Em diversos pontos da faixa indicativa de preço do IPO, que começou em R$ 14,25, a demanda superou o volume ofertado em cerca de dez vezes. A ação foi precificada em R$ 17,25, o ponto máximo do intervalo indicativo. A oferta movimentou R$ 1,18 bilhão, sendo que R$ 575 milhões reforçarão o caixa da companhia. Os recursos serão utilizados, na maior parte, para dar prosseguimento à estratégia de crescimento, em especial por meio de fusões e aquisições. Em sua estreia na B3 o interesse dos investidores também ficou nítido: a ação subiu quase 20% em seu primeiro pregão.

A Locaweb começou a falar com investidores para o IPO em agosto. Fez visitas ao Vale do Silício nos chamados non-deals roadshows, aqueles sem transações acoplada.  O resultado foi o sucesso em atrair alguns desses fundos para a oferta. Assim, os estrangeiros ficaram com uma fatia relevante do lançamento: 60% do volume vendido, com a presença de fundos que tradicionalmente não têm o costume em investir diretamente no Brasil.. Apesar da ideia desde o princípio ser listar a companhia na B3, não havia sido descartada uma oferta nos Estados Unidos. Muitas empresas do setor "tech" com elevado grau de crescimento têm feito essa opção, atraídos pelos múltiplos por lá.

"Não tivemos nenhuma restrição de investidores pelo fato de a oferta ser no Brasil", disse o presidente da empresa, Fernando Cirne, ao Broadcast. Segundo ele, já nos primeiros contatos com os investidores estrangeiros a mensagem foi de que seria irrelevante onde a Locaweb abrisse o capital. Ele disse, ainda, que a empresa quis aproveitar o fato de haver escassez de ativos do setor de tecnologia no mercado brasileiro. Além disso, a empresa tinha interesse de estar próxima dos clientes.

Uma das explicações para as empresas escolherem abrir capital fora do País é exatamente o acesso aos investidores dedicados ao setor de tecnologia. Ao longo dos últimos anos o Brasil exportou uma série de IPOs de peso para os Estados Unidos. O último foi realizado em dezembro, pela XP Investimentos. Mas nomes como PagSeguro, Stone, Afya e Arco Educacional optaram em abrir capital por lá.

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A gestora de venture capital KPTL (lê-se Capital, em inglês), com mais de R$ 1,2 bilhão investido em empresas de tecnologia no Brasil, vendeu no ano passado para a Locaweb a Kekanto e a Delivery Direto. Como parte do pagamento, recebeu ações da Locaweb. Um ano depois, apesar da oportunidade de venda no IPO, a decisão foi de ainda manter a participação, segundo o presidente da gestora, Renato Ramalho. "Aceitamos o pagamento em ações porque enxergamos grande potencial na companhia", disse ao Broadcast.

Segundo ele, há hoje no Brasil mais de 19 mil empresas de software e muitas acessarão a Bolsa, seja aqui ou nos Estados Unidos. "Tanto as empresas puramente de tecnologia, quanto as que estão se transformando, estarão mais presentes na Bolsa", disse.

Na B3, o número ainda é baixo: além da novata Locaweb, cuja ação estreia amanhã, dia 06, há poucas outras do setor listadas (Totvs, Linx, Sinqia e B2W). Magazine Luiza já é no mercado considerada também uma empresa "tech", depois de sua transformação digital.

O vice-presidente de Produtos e Clientes da B3, Juca Andrade, afirma que a chegada da Locaweb é positiva e prova que o investidor estrangeiro olha para as ofertas realizadas aqui. Segundo ele, o momento de crescimento do número de pessoas físicas na Bolsa, migrando recursos antes alocados na renda fixa, tem criado ainda uma "piscina" de liquidez, que pode ser acessada pelas empresas em busca de captação.

Uma fonte de um banco de investimento afirma, contudo, que a oferta de uma empresa de tecnologia no Brasil pode ser uma realidade, mas talvez não para todas as companhia da área. Muitas empresas do setor optam em abrir capital na NYSE ou na Nasdaq pela possibilidade de fazer a oferta com uma estrutura societária não permitida no Brasil, por meio da adoção do voto plural, apelidado de "ação super ordinária". Com ela, os fundadores mantém o controle da empresa, mesmo após diluição. No caso da XP, o presidente da maior corretora do País, Guilherme Benchimol, disse que essa foi a principal razão da escolha pela oferta nos Estados Unidos. Por aqui, o mercado tem se debruçado sobre esse assunto, sendo necessária uma mudança na lei das S/A para que seja implantada. Já existe um projeto em lei tramitando na Câmara sobre o tema. Na XP, uma das classe de ações dá direito a 10 votos, ao passo que aquelas vendidas no IPO, de apenas um.

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"Mas para algumas empresa faz todo o sentido abrir na B3 é mais fácil do que manter uma companhia aberta fora do País", disse uma fonte.

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Outro impeditivo para que as ofertas do setor de tecnologia ocorram no mercado brasileiro é o histórico das empresas. Por conta das rodadas de captação junto à venture capital, principalmente no exterior, muitas acabam mudando a sede para o exterior. Pelas regras atuais, uma empresa com sede fora do País, com mais da metade de seus ativos no mercado brasileiro, não podem se listar por aqui. Essa regra contudo está muito perto de cair. Há uma audiência pública da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) que trata desse tema, que termina no fim deste mês.

Dado o potencial desse mercado, os bancos de investimento estão montando áreas próprias para atender as companhias de tecnologia. O Itaú BBA, por exemplo, estruturou uma área para o setor. No BTG Pactual também há banqueiros para o setor "tech". Outra instituições planejam seguir pelo mesmo caminho.

 

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