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Brasil amuado

O humor do brasileiro passou por uma revolução desde as manifestações de rua que mobilizaram mais de um milhão de pessoas. O enfado vem corroendo a sociedade faz algum tempo, a julgar por indicadores de confiança dos consumidores, dos empresários industriais, dos varejistas. Nesta semana, o retrato do amuo saiu da Pew Research, conceituado instituto norte-americano de opinião.

Por Iuri Dantas
Atualização:

A Pew radiografou a visão de cidadãos de 82 países desde 2010. Segundo a brasileira Juliana Horowitz, responsável pelo levantamento divulgado anteontem, a deterioração de humor vista no Brasil é comparável a sociedades que passaram por crises ou rupturas institucionais. Como a Primavera Árabe, por exemplo. Por aqui, não se trata de mudança de regime ou somente aquela coisa agastada sobre o torneio da Fifa no País do futebol. O brasileiro anda cada dia mais preocupado com o rumo da economia.

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Em números, explodiu de 41% para 67% o total de consultados classificando de "ruim" a situação econômica. Os que consideram "boa" não chegam a um terço dos brasileiros, contra quase 60% um ano antes. A maioria não está satisfeita. O instituto mostra que 63% dos brasileiros desaprovam a condução da macroeconomia pela primeira economista a vestir a faixa presidencial no País.

Boa parte do desencanto advém da persistente inflação em alta, mostra a pesquisa. A julgar pelas decisões recentes do governo, essa mágoa está longe de ser resolvida. Se a tarifa de energia caiu, a conta do setor elétrico não para de subir. A agência de fiscalização das empresas de energia informou que um empréstimo de R$ 11,2 bilhões para equilibrar as contas do setor acabou antes de pagar todos os compromissos de abril. Era para durar até dezembro.

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Não é difícil entender a piora do humor do contribuinte ao ver o Palácio do Planalto salgar a conta a cada semana. Uma hora vai bater no bolso de todos. Também não é muito fácil digerir que o governo optou por manter a gasolina tabelada por anos, até quebrar a indústria do etanol. E justamente agora tenta vender como decisão responsável segurar o preço só por mais um bocadinho, afinal a eleição está logo ali. A sensação de que a economia precisa de um forte ajuste em 2015 transbordou as planilhas, as notas de economistas, o noticiário e virou assunto de boteco. E de pesquisa de opinião.

Depois de brincar com a inflação e dizer que a crise derrubaria os preços no País, o Banco Central levou a taxa básica de juros ao valor mínimo histórico de 7,25%. Não consta que brasileiro algum tenha pago essa índice ao pegar empréstimo, mas fica bonito no discurso oficial. O voluntarismo em derrubar a Selic teve a mesma magnitude do aperto exigido para consertar a situação. Pela primeira vez desde a estabilização da economia e a adoção do sistema de metas de inflação em 1999, um governo vai terminar o mandato com juros maiores do que começou. Não é pouca coisa, chamam até de retrocesso institucional.

A sociedade pagaria esse preço para ver a economia deslanchar, afinal um país que tenha as reservas de petróleo do pré-sal, a Copa e as Olimpíadas pela frente só poderia subir, para o alto e avante. Mas, não foi bem assim. O PIB cresceu 0,2% no primeiro trimestre.

Foi o preço da passagem e o aperto nosso de cada dia na condução para o trabalho que impulsionaram os manifestantes em junho do ano passado. Como o brasileiro é, como reza o clichê, um otimista, hospitaleiro e adora conhecer gente de fora, fica uma forte suspeita. O bordão do #nãovaitercopa pode significar mais do que diz. Talvez o povão quisesse metrô, linhas de ônibus confiáveis, aeroportos limpos e estádios maravilhosos para se gabar mesmo. Para dizer que a Copa no Brasil servia para mostrar como é boa a vida por aqui, como a população recebe os serviços de qualidade em linha com os impostos que paga. Não será este o torneio de junho de 2014, apesar da mensagem das ruas em junho de 2013. O Brasil está amuado.

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