Foto do(a) blog

O sobe e desce da inflação e outros 500

Dilma tem inflação média mais baixa desde o Plano Real. E daí?

Governo deve fechar mandato com índice médio de 6,14% ao ano; FHC e Lula entregaram, respectivamente, 9,71% e 6,43%

PUBLICIDADE

Por Gustavo Santos Ferreira
Atualização:

Dona Maria e Seu José discutiram por causa dos preços - de novo. O mesmo de sempre: tudo muito caro, blablablá etc e tal. Passava pela sala o netinho, que puxou brasa para o governo: que nada, desde o Plano Real que a inflação não tá tão baixa, gente.

>>> Inflação da carne: setor fica 'perplexo' com dicas de culinária do governo

>>> 5 conclusões alternativas sobre a inflação em setembro

PUBLICIDADE

>>> Inflação salta para o maior nível em 3 anos

Júnior não sabia em que ovos pisava. Leu isso no Facebook, efervescente nesta época de eleição.

Publicidade

Realmente. Mantida a estimativa atual do mercado financeiro para este ano, o governo Dilma deve fechar seu primeiro mandato com a mais baixa inflação média ao ano desde o Plano Real: 6,14%. E seus dois antecessores, em primeiros quatro anos, mantiveram alta anual média de preços acima desse nível: FHC, de 9,71%; Lula, de 6,43%.

Beleza. E daí?

E daí que esses números são apenas: números.

Para o professor Alex Luiz Ferreira, da USP, a comparação é falaciosa. "Os primeiros mandatos de FHC foram devotados à própria estabilização de preços e a economia foi sujeita a fortes choques externos", diz.

Não se trata, acredita, de uma comparação justa. Para o economista, qualquer análise que não leve em conta demais fatores, como as condições iniciais de cada presidente, não é adequada. É preciso relativizar.

Publicidade

Relativizemos, então.

FHC, primeiro presidente desde a implantação do Plano Real (1994), vestiu a faixa presidencial em 1995 com inflação de 916,43% ao ano. E já havia domado, como ministro da Fazenda, uma taxa anual de 2.477,15%, em 1993. O início do processo responsável por levar a inflação para onde está é seu mérito inegável.

>>> Por que tudo custa tão caro no Brasil? 

>>> Economize na feira: 12 produtos com preços em queda

E algum sucesso teve também Lula. Herdou de FHC inflação ao ano de 12,53%, o dobro da atual, realimentada pela forte alta do dólar e por aumento de gastos em ano de campanha eleitoral. E, gradativamente, foi capaz de derrubar o bicho para 3,14% em 2006. Ponto também para ele.

Publicidade

E Dilma?

Bom, Dilma pegou uma inflação pouco abaixo da atual, de 5,90%. Portanto, entregará a inflação acima do que encontrou. E se o ritmo de alta dos preços está controlado (sim, está, embora alto na comparação com outras economias) e não superou 6,50% ao fim de nenhum dos anos, foi por Dilma segurar pelos cabelos os preços administrados (leia "pagar pelo nosso consumo de combustíveis e energia e elevar gastos públicos").

A inflação de serviços, por exemplo, como lembra o professor Nelson Marconi, da FGV, flutuou perto dos 9% ao ano durante o tempo todo. E essa é uma das explicações para a sensação de que tudo parece tão caro no Brasil. Afinal, quase todo mundo vai ao médico ou ao dentista ou corta cabelo ou come fora de casa ou estuda outra língua ou contrata doméstica ou viaja ou por aí vai. Logo, a inflação dos serviços é sentida por muita gente.

 Foto: Estadão

Todo esse consumo só tem sido cada vez mais possível - e isso não pode ser ignorado - por causa do ganho real de renda dos últimos tempos, da ordem de 3% ao ano desde 2011. Mas, aí, caímos na velha fórmula: se a demanda sobe e a oferta não, os preços tendem a avançar também de maneira bem animada, como no caso dos serviços.

Para Marconi, o índice de inflação na era Dilma, mais baixo que o de seus antecessores na média, deve ser, sim, relativizado e esconde algumas distorções. Mas, embora alto na comparação com outras economias, há um aspecto blindado de críticas: "Uma das herança deixadas por Lula foram os aumentos salariais, retomados de forma consistente em seu governo e mantidos no de Dilma", diz.

Publicidade

O fator, por um lado, colaborou para a manutenção da inflação em níveis mais altos. Mas, por outro, trata-se de uma escolha pontual entre alguma melhoria do bem-estar social em detrimento de números macroeconômicos mais afáveis ao mercado.

A tarefa de conseguir unir as duas estratégias (de mais comida no prato e de fundamentos econômicos mais sólidos) desafia o próximo governo. Se não muito, talvez acalmaria um pouco os ânimos na casa da vó Maria e do vô Zé - sem falar do balde d'água sobre os debates apaixonados, por vezes cegos, da internet.

Doeu no bolso? Conte aqui a sua história:

gustavo.ferreira@estadao.com

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.