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Diálogo entre o mundano e a academia

Aprendendo a desacreditar

Agentes tentam dar maiores retornos para quem não confia neles do que para quem confia neles completamente.

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Por Mônica R. de Carvalho
Atualização:

Quando grandes escândalos de fraude assustaram investidores nos EUA no início do milênio, vozes se levantaram para dizer que a tragédia havia sido anunciada e a culpa dos malfeitos deveria ser colocada nos executivos das empresas e também nas suas malfadadas auditorias (que teriam misturado interesses de consultoria com a inspeção de atividades dos seus clientes). Vieram, em seguida, a Lei Sarbannes-Oxley e outras precauções aconselháveis aos mercados, com o objetivo de fazer todos acreditarem que, uma vez instalados todos os devidos controles, a vida poderia ser levada com maior segurança. Mas e se parte da tal culpa - pelo desacerto dos gestores em que todos confiavam - pudesse também ser colocada nos próprios investidores? Aqueles que confiaram cegamente nos gestores e haviam sido tomados como vítimas? Um estudo sobre o comportamento dos participantes de mercado (que também se aplica a outras relações contratuais que envolvem relações de confiança) nos leva a considerar que há muito mais direcionando estas relações do que a primeira análise (ou a mais óbvia) parece nos fazer crer. De acordo com este ponto de vista, a culpa pelas perdas incorridas poderia ser também imputada ao público em geral, que confiou cegamente nas empresas e suas auditorias. Por que os acionistas e outras partes interessadas, incluindo os legisladores, não deixaram de confiar naquelas empresas e em suas empresas de contabilidade mais cedo? No artigo Deciding to Distrust, dos pesquisadores das Universidades de Harvard e Columbia (BOHNET, I., e MEIER, S., 2005), disponível em http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.839225, os pesquisadores mostram que uma postura de confiança cega é não apenas danosa, mas causa perdas consideráveis quando comparada com um ponto de partida de total desconfiança nas relações. Em primeiro lugar, os pesquisadores nos lembram de que, em muitas relações, o cliente parte da total confiança em seus prestadores de serviço; por exemplo, pacientes geralmente acreditam na integridade de seu médico, pais normalmente confiam nos professores de seus filhos, e litigantes têm confiança em seus advogados. Em muitos casos, esquecerão o bom senso e serão excessivamente otimistas sobre a confiabilidade do seu prestador de serviço. O estudo mostra que o padrão confiança leva as pessoas a confiar DEMAIS; e que se tivessem partido de um padrão de nenhuma confiança, teriam acabado em uma situação bem melhor. O mais importante, segundo eles, é o ponto de onde se parte: confiar ou não confiar.

Segundo os autores da pesquisa, os prestadores de serviço sentem menos obrigação de retornar bons resultados para quem já confia neles do que para quem desconfia deles totalmente, e desejam retornar mais para quem não confia neles do que para quem confia neles plenamente. Este viés traz consequências concretas, especialmente no que diz respeito aos retornos de investimentos; o que o estudo mostra é um paradoxo interessante: os prestadores de serviços em que menos se deposita confiança são provavelmente os que vão retornar melhores resultados para os contratantes, tornando-se, portanto, MAIS confiáveis no fim das contas. Em contrapartida, os prestadores em que se deposita confiança cega são MENOS confiáveis em todos os casos, inclusive quando recebem TOTAL confiança. Esta conclusão coloca os contratantes de serviços em uma posição muito delicada e, segundo os pesquisadores, o problema nasce da dificuldade que temos em nos colocarmos na perspectiva "do outro"; pior ainda, a visão distorcida do outro nasce, provavelmente, da aversão que o contratante tem às perdas, induzindo nele uma visão cor-de-rosa daqueles em que estabeleceu confiança; o resultado é que se acaba encontrando muito mais confiabilidade naquilo que atiça nossa aversão e os nossos mais básicos instintos de sobrevivência. Falando de investimentos, a imprecisão na perspectiva de tomada de decisão do contratante, quando confia plenamente, afeta os seus ganhos significativamente: perdem dinheiro quando confiam, enquanto eles saem pelo menos "no zero a zero" quando desconfiam, em média. Estes resultados nos fazem pensar sobre as consequências experimentadas por muitos dos trabalhadores e investidores após a implosão das grandes corporações na crise recente dos mercados globais. A conclusão? NÃO DESCONFIAMOS O BASTANTE. Quando o ponto de partida é a confiança total, contratantes perdem dinheiro por confiar demais. Segundo a pesquisa, recebem em média retornos 20% piores do que se não confiassem NADA nos seus prestadores de serviço (administradores do seu dinheiro, no caso). Seus contratados, ao contrário, ficam substancialmente melhor do que se não tivessem recebido tal confiança. Eles experimentam um aumento de 130% em seus ganhos em comparação com a presença da desconfiança. É provavelmente a vontade de encontrar conforto e bem-estar que leva o tomador de decisão a fazer isso, mas os pesquisadores nos relembram que as pessoas tendem a ser naturalmente confiantes e crédulas em relação a seus próprios prestadores de serviço. No domínio da medicina, por exemplo, a pesquisa mostra que, enquanto muitas pessoas são rápidas em reconhecer que médicos (em geral) podem ser afetados por conflitos de interesse, mas poucos admitem que o seu próprio médico estariam nesta situação. De acordo com a pesquisa, segundas-opiniões deveriam ser o procedimento padrão nas relações médico-paciente e os pais deveriam ser encorajados a fazer visitas surpresa às escolas de seus filhos. Em um mundo ideal, gostaríamos de alinhar os incentivos de contratantes e contratados, de modo a evitar os conflitos de interesse inerentes a muitas relações de confiança. Leis, como a Sarbanes-Oxley, tentam dissuadir executivos e gestores de dinheiro alheio de agir errado, mas é improvável que sejam eficientes em todos os casos. Para que tudo não pareça tão desanimador, talvez seja interessante olharmos a situação por outro ângulo: quem sabe, aquela empresa em que tanto desacreditamos no curto prazo ainda possa nos dar retornos inesperados? Neste momento, seus dirigentes podem estar se debatendo, tentando nos provar que nossa desconfiança pode ser um bom negócio.

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