A discussão sobre carros elétricos ganhou força nos últimos anos como uma resposta ao futuro dos veículos nesse cenário de preocupação com a sustentabilidade. O aparecimento de empresas como a Tesla, especializadas nesse nicho, concretiza isso. Quando pensamos no mercado brasileiro, no entanto, a fabricação desses veículos movidos a bateria ainda é cara. Mesmo com o mercado ainda incipiente, alguns players já estão investindo em estudos e iniciativas para tangibilizar a viabilidade dos elétricos.
A CPFL Energia, em parceria com a Rede Graal, instalou 25 eletropostos para veículos elétricos em alguns pontos na cidade de Campinas, na Rodovia dos Bandeirantes e Anhanguera. A recarga pública ainda é gratuita, já que a cobrança para esse tipo de abastecimento não foi estabelecido pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Como aponta Renato Povia, gerente de Inovação e Transformação da CPFL, a ideia é se antecipar e entender como esse mercado poderia se desenvolver a partir da criação dessa infraestrutura. A projeção da organização é que, até 2030, entre 4 a 10 milhões de veículos elétricos circularão no país.
"Como empresa de energia elétrica, temos interesse em entender e fomentar esse mercado também, principalmente pensando no nosso papel como provedor de uma infraestrutura de recarga. O mercado de veículos elétricos só vai se desenvolver ao mesmo tempo em que o mercado de infraestrutura de recarga se desenvolve também. Nesse contexto, montamos esse projeto de pesquisa e desenvolvimento para estudar e entender, interpretando que é uma tendência de futuro. O carro elétrico é uma boa solução para mobilidade, com todo o apelo de sustentabilidade e redução de custo em torno de um terço em combustível quando comparo gasolina com a eletricidade", explica.
Além dos eletropostos, a organização adquiriu 16 veículos elétricos como parte da frota da empresa e parceiros para ir testando o projeto. Para o público em geral, é necessário realizar um cadastro no site da organização para conseguir o direito da recarga gratuita. A utilização ainda é baixa, mas esse era um dado esperado, segundo Danilo Leite, especialista em Inovação da companhia. Ele reitera que haverá uma grande diferença entre a recarga elétrica e a de combustível: "as pessoas que vem comprando novos veículos já vem pedindo esse acesso [ao eletroposto]. A gente entende que boa parte das cargas do carro elétrico será feita em locais privados, nas próprias residências, as pessoas já têm carregador na casa. A recarga pública é mais de emergência, de trazer segurança para o usuário. O crescimento tende a acontecer e vai ter mais utilização, mas a ideia de achar que todo mundo vai carregar na rua, como é hoje com o posto de gasolina, não acreditamos que vai acontecer".
Renato acredita que a importância do investimento em infraestrutura é dar conforto ao usuário para comprar o carro e por isso existe a preocupação em amadurecer e estimular a indústria a partir de iniciativas como essa. Para alavancar esse mercado, além do preço elevado da bateria, o especialista acredita que a autonomia do carro elétrico deve aumentar (hoje os modelos mais baratos circulam de 150 km a 200 km, algo que considera baixo) e a regulamentar a carga com a Aneel. "As pessoas já têm interesse e curiosidade por esse tipo de veículo. Agora entra a questão econômica, se as montadoras vão conseguir reduzir esse preço", aponta.
Potencial da energia solar na mobilidade
Enquanto o mercado elétrico ainda não se desenvolve no país, outras iniciativas são pensadas para reduzir as emissões e combater o problema da qualidade do ar. A Fiat, por exemplo, foi uma das pioneiras no carro elétrico. Em parceria com a usina de Itaipu, produziu em 2006 o Palio Weekend Elétrico com bateria de cloreto de sódio. A pesquisa serviu para dar dados à organização, que mantém o carro elétrico "no radar", mas atualmente estuda outras formas de melhorar a sustentabilidade e que sejam economicamente mais viáveis, segundo Toshizaemom Noce, supervisor de Inovação da FCA, que já participou do Prêmio Eco. Para ele, a questão do elétrico, além dos preços, envolve a fonte de eletricidade.
"Fizemos um estudo nos Estados Unidos em 2010. Se colocássemos o Palio Elétrico lá, ele emitiria tantos gases de efeito estufa quanto um carro em combustão, por causa da origem da energia [predominantemente termelétrica]. Essa preocupação é muito grande. A gente sabe fazer carro elétrico, mas hoje o custo é caro. Então não vamos fazer por fazer, vamos construir uma solução mais viável. Colocamos foco em outras fontes de energia. Um exemplo é o etanol - se você pegar um carro movido a etanol hoje no Brasil, com a tecnologia que temos, o etanol vai emitir menos gás carbônico do que um carro elétrico. Em 2009 e 2010, o etanol emitia 12g de CO2 por quilômetro. O elétrico emitia 18g", explica.
A organização está investindo em tetos solares para os carros - o uso de células fotovoltaicas no próprio veículo converte a luz solar em energia elétrica e armazena isso na bateria do veículo. Consequentemente, essa ação reduz o uso de combustível. O chamado Projeto Girassol tem uma frota de 50 veículos com esses painéis fotovoltaicos orgânicos. Ainda experimentais, os carros estão rodando em Belo Horizonte. Terminada a pesquisa, será feita a avaliação para o desenvolvimento do produto para comercialização. Esse tipo de tecnologia já é usado nos Estados Unidos, Europa e Japão - países que têm menor incidência solar do que o Brasil.
"O foco é outra fonte que ninguém estava olhando e que enxergamos que é o futuro. Um país como Alemanha, que o melhor sol lá é o pior sol do Brasil, investe pesado em energia solar para substituir a energia atômica. E se o negócio é reduzir CO2 do carro, porque não fazer um trabalho com energia solar para reduzir a emissão sem agregar o custo estratosférico do carro elétrico?", questiona.
Frotas limpas nas cidades
Para Ieda de Oliveira, Vice-Presidente de Pesados da Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE), ter políticas públicas e linhas de financiamento voltadas para tecnologias limpas no transporte é essencial para desenvolver a indústria. "A gente acredita que sempre começa com nicho: frotas públicas, de empresas, de taxistas, são mercados em potencial para que se comece a introdução de tecnologias mais limpas. Além do fator de reduzir emissões, essa indústria tem um papel fundamental na economia do país. No caso dos ônibus, temos a terceira maior frota do mundo. Imagina a importância na economia do país de ter a tecnologia desenvolvida e comercializada aqui", aponta. A especialista acredita que é possível desenvolver 100% da cadeia produtiva e deter essas inovações no Brasil.
Oliveira aponta movimentos importantes na cidade de São Paulo nesse sentido. A cidade tem uma Lei de Mudanças Climáticas, aprovada pela Câmara Municipal em 2009, que se compromete a tirar ônibus movidos a combustível fóssil de circulação e substituí-los por tecnologias limpas até 2018. Como o prazo é apertado, a Secretaria de Transportes e a Câmara dos Vereadores estão discutindo um novo cronograma para estabelecer metas de emissão. Ao mesmo tempo, houve o lançamento do primeiro ônibus elétrico movido a bateria na cidade em julho deste ano, sinalizando essa tendência.
No momento, a Prefeitura também está renovando contratos da frota. Esse é o momento ideal para fazer esse debate acontecer na cidade. "A ABVE defende que deveria ter espaço para outras tecnologias: elétrico puro, etanol, gás. O poder Executivo tem que ter esse compromisso. O ônibus elétrico é caro em função das baterias, que é um componente caro, e por se tratar da baixa demanda que se tem. Assim que incentivar isso, criar políticas públicas para migrar para novas tecnologias, automaticamente vai ter uma redução de custo", alerta Oliveira.