Atlantis marca o fim de uma era

A nave Atlantis subiu ao espaço nesta sexta-feira às 11:29 (hora do Centro Espacial Kennedy, ou 12:29 de Brasília), encerrando o ciclo de 30 anos da era dos ônibus espaciais. Neste domingo, a nave se acopla à Estação Espacial Internacional (ISS). Fazemos aqui um balanço do trabalhos desses veículos reutilizáveis e mostramos o veículo que deverá ser utilizado pela NASA para levar astronautas ao espaço, o MPCV (Veículo para Tripulação com Múltiplos Propósitos).

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Por Ethevaldo Siqueira
Atualização:

O ultimo ônibus espacial da história da astronáutica decolou do Centro Espacial Kennedy, na Flórida, exatamente às 11:29 da manhã (12:29 de Brasília), desta sexta-feira, 8 de julho, com apenas 31 segundos de atraso, no momento em que a Estação Espacial Internacional (ISS-International Space Station) passava sobre a cidade de Christchurch, na Nova Zelândia. Neste domingo, o Atlantis deverá acoplar-se com a ISS.

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Os internautas que aceitaram nossa sugestão puderam assistir ao lançamento do ônibus espacial, ao vivo, pela TV da Nasa (www.nasa.gov/ntv). Como disponho de uma banda larga de boa qualidade (40 Mb/s), pude assistir a tudo em alta definição. O presidente Barack Obama chegou uma hora ao Centro Espacial Kennedy para assistir ao histórico lançamento da nave Atlantis. O papa Bento 15 manteve diálogo com os astronautas e cosmonautas da Estação Espacial, cumprimentando-os pelas conquistas científicas e tecnológicas e pelo último voo dos ônibus espaciais.

Para a minha geração, que acompanhou a conquista da Lua e a corrida espacial dos últimos 40 anos, a aposentadoria dos ônibus espaciais nos traz alguma tristeza e nostalgia. Na verdade, o lançamento do Atlantis encerra uma era de avanços extraordinários. Ao longo de 30 anos, os ônibus espaciais prestaram relevantes serviços à humanidade, seja no transporte de astronautas, de satélites, do telescópio Hubble, das peças e partes destinadas à construção da Estação Espacial Internacional (ISS, sigla de International Space Station), bem como na condução de milhares de pesquisas científicas nas áreas biologia, medicina, de astronomia, meteorologia, telecomunicações, conduzidas em ambiente de gravidade zero e realizadas a bordo desses veículos de reutilizáveis de transporte espacial.

Pessoalmente, nunca pude assistir a um espetáculo mais empolgante do que as decolagens dos ônibus espaciais. Elas eram, a meu ver, a mais impressionante demonstração do poder da tecnologia humana. Ao longo de meu trabalho como jornalista, tive a oportunidade de assistir aos primeiros testes de voo livre do ônibus espacial Enterprise, em outubro de 1977, na Base de Edwards, da Força Aérea dos EUA, no Deserto de Mojave, na Califórnia. Depois, testemunhei ao lançamento de dois outros ônibus espaciais: o Columbia (STS-1), em 12 de abril de 1981, e do voo inaugural do Atlantis (STS-51), em 3 de outubro de 1985.

 Foto: Estadão

A silhueta do Atlantis, na noite anterior ao lançamento (Foto NASA).

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Em pouco mais de 30 anos, os ônibus espaciais cumpriram 135 missões com as naves Columbia, Challenger, Discovery, Endeavour e Atlantis. Uma delas, a Enterprise, só foi usada experimentalmente nos primeiros voos na atmosfera.

Todos os voos do ônibus espacial foram identificados com a sigla STS (de Space Transportation System). O primeiro lançamento (o STS-1), com a nave Columbia, ocorreu no dia 12 de abril de 1981. O último, o STS-135, com o Atlantis. Das cinco espaçonaves que foram ao espaço, duas explodiram: a Challenger, em 28 de janeiro de 1986, e a Columbia, que se desintegrou em 1º de fevereiro de 2003, ao entrar de volta na atmosfera terrestre. Em cada um desses desastres, morreram sete astronautas.

Entre as missões mais relevantes dos ônibus espaciais, destacam-se a do voo STS-31, para o lançamento do Telescópio Espacial Hubble, pelo Discovery, no dia 24 de abril de 1990; a mais longa das missões, a do voo STS-80, da nave Columbia, lançada no dia 19 de novembro de 1996, e que durou 17 dias e 15 horas.

Os quatro ônibus espaciais agora se transformam em peças de museu. O Atlantis ficará exposto aos visitantes do Centro Espacial Kennedy. O Discovery vai para ao Museu Aeroespacial (Air & Space Museum), em Chantilly, Virgínia, próximo de Washington. O Endeavour será enviado ao Centro de Ciência de Los Angeles, na Califórnia.

   Foto: Estadão

Reflexos da imagem do ônibus espacial na madrugada de sexta-feira, 8 de julho de 2011 (foto NASA)

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Atlantis, um campeão

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Nenhum outro ônibus espacial tem um currículo tão rico quanto o Atlantis, que faz agora sua 33ª viagem ao espaço e fecha um ciclo do transporte espacial. Desde sua estreia no dia 3 de outubro de 1985, até a semana passada, ele havia lançado 14 satélites, feito 11 viagens à Estação Espacial, completado 4.648 órbitas em torno da Terra e coberto a distância total de 194,1 milhões quilômetros, durante 293 dias, 18 horas, 29 minutos e 37 segundos no espaço. 

No voo STS-30, no dia 4 de maio de 1989, o Atlantis lançou a primeira sonda Magalhães (Magellan, em inglês), que levou para Marte um radar e uma antena de rádio. Foi o primeiro lançamento de uma sonda espacial feito a partir de um ônibus espacial. No voo STS-34, em 18 de outubro de 1989, lançou a sonda Galileo, para Júpiter. Na missão STS-37, no dia 5 de abril de 1991, lançou o Observatório Compton de Raios Gama. Na STS-71, em 29 de junho de 1995, iniciou a série de sete missões que estabeleceu a ligação com a estação espacial russa Mir, com a qual se acoplou formando a maior nave espacial da época.

No voo STS-98, a 7 de novembro de 2001, ajudou a montar a Estação Espacial Internacional e, na STS-125, no dia 11 de maio de 2009, participou da missão final encarregada dos serviços de modernização e recuperação do telescópio espacial Hubble.

  Foto: Estadão

No domingo, 10 de julho, a Atlantis acopla-se à Estação Espacial ISS (Foto NASA)

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Sucessor tem menos charme

Um veículo muito menor, sem propulsão própria, com capacidade para transportar apenas quatro astronautas e pequena capacidade de carga, com o formato semelhante ao das cápsulas tripuladas do Projeto Apollo. Assim é o veículo sucessor dos ônibus espaciais, o MPCV, sigla de Multi-Purpose Crew Vehicle, ou seja, Veículo Tripulado de Múltiplos Propósitos. Sua ênfase principal está na segurança e na redução de custos. A Nasa abandona, assim, o formato de avião e a volta às espaçonaves estilo Apollo, quer dizer do antigo Projeto Apollo.

Para muitos especialistas, a primeira impressão é de decepção porque a nave que vai suceder aos ônibus espaciais é muito menor e não dá a impressão de potência daqueles. Até o nome original, Orion - bem mais charmoso - foi abandonado e virou apenas uma sigla: MPCV. Alguns jornalistas perguntaram aos diretores da Nasa: "Por que um nome tão sem graça assim?" Ninguém soube responder.

O projeto original do Orion elaborado pela Lockheed Martin podia abrigar seis astronautas, enquanto o ônibus espacial podia transportar de seis a oito. O novo veículo tem dois módulos principais (o da tripulação e o de serviço) e dois sistemas especiais, de abortamento do lançamento e outro adaptador. Externamente, tem antenas de rádio e painéis captadores de energia solar, que se abrem após o lançamento.

Esse conjunto do MPCV é lançado no nariz de um grande foguete (com maior capacidade do que qualquer outro foguete da atualidade) e lançado ao espaço. Mas esse foguete ainda não foi desenvolvido pela Nasa.

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O novo veículo terá autonomia de 21 dias e poderá acoplar-se à Estação Espacial.  Seus quatro astronautas ficarão acomodados em um espaço interno habitável de cerca de 9 metros cúbicos. O total de espaço pressurizado da nave é de 20 metros cúbicos.

Enquanto os ônibus espaciais tinham a limitação de só poder orbitar a Terra a distâncias entre 400 a 600 quilômetros (nas órbitas baixas ou LEOs, de Low-Earth Orbits), o MPCV pode ir muito mais alto. Sua grande vantagem está no fato de ser considerado 10 vezes mais seguro do que os ônibus espaciais, tanto na ascensão quanto na entrada na atmosfera, graças ao novo sistema e conceitos. E com a vantagem adicional de custar muito menos.

 Foto: Estadão

Um veículo que lembra os módulos do Projeto Apollo. Assim é o sucessor dos ônibus espaciais (Foto NASA)

Na opinião de alguns especialistas uma medida importante foi rebatizar o antigo Orion com o nome de Veículo para Tripulação com Múltiplos Propósitos ("Multi-Purpose Crew Vehicle"). Esse novo nome não apenas oferecerá uma alternativa ao uso da nave Soyuz para tripulação e entrega de carga à ISS, como poderá também ser usada como plataforma para lançamentos mais distantes da Terra.

Como consta dos planos do Programa Constelação da NASA (Constellation Program), o governo Obama quer dominar o transporte de carga e de tripulantes ao espaço por empresas privadas, como SpaceX, enquanto a NASA deverá dedicar-se a missões mais ambiciosas e mais distantes no espaço cósmico, inclusive uma viagem ao planeta Marte, por volta de 2030.

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A versão inicial do MPCV não poderá ser utilizada para levar astronautas a Marte, embora uma versão modificada dele poderá acompanhar a nave até a Lua. Com modificações futuras, o novo veículo poderá ser usado para viagens muito mais longas no espaço, como, por exemplo, para levar e entregar pequenas cargas a tripulações, de forma mais segura no veículo tanto na ida como na volta de Marte, nos próximos 20 anos.

O MPCV não tem o charme do ônibus espacial, mas numa época em que as empresas privadas passam a competir de forma crescente nas altitudes mais baixas, esse novo veículo poderá ser, também, um meio prático de assegurar aos astronautas um caminho seguro no espaço.

O administrador da NASA, Charles Bolden, explica os objetivos do novo projeto: "Estamos comprometidos com a exploração do espaço a altitudes superiores à dos satélites de órbita baixa (LEOs, de Low-Earth Satellites) e buscamos desenvolver a próxima geração de sistemas que nos possamos levar até lá" - disse Bolden.

A legislação permite uma nova estratégia mostra um caminho muito claro pela frente para que a Nasa possa abrir mão do transporte rumo à Estação Espacial Internacional, transferindo-o a seus parceiros do setor privado, de modo que a possa dedicar-se à exploração do espaço mais distante.

Charles Bolden explica ainda o que virá no futuro: "À medida que continuamos a trabalhar agressivamente na criação de um veículo de lançamento pesado, vamos em frente com o contrato existente para manter o desenvolvimento de nosso novo veículo de transporte de astronautas."

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