Lula Chantecler da Silva

Lula acha que tudo que aconteceu de bom e de positivo nos últimos oito anos foi resultado de sua administração. O galo Chantecler também pensava que o sol nascia todos os dias porque ele cantava.

PUBLICIDADE

Por Ethevaldo Siqueira
Atualização:

O presidente Lula acha que todo o progresso econômico e social ocorrido no Brasil nos últimos oito anos foi obra sua ou resultado direto de seu governo. Antes dele, não existíamos. Nada havia de bom que merecesse ser reconhecido.

PUBLICIDADE

Qualquer avaliação dos dois períodos do presidente Lula tem que começar pelo reconhecimento de que o presidente-operário teve uma parcela expressiva do mérito no desenvolvimento do País ao longo de seus dois mandatos. Nada justifica, no entanto, sua insistente negativa em reconhecer o trabalho de governos anteriores.

Lula nos faz lembrar o galo Chantecler. Para os leitores mais jovens, que talvez não conheçam essa história, vou resumir aqui, em poucas palavras, a fábula do teatrólogo e escritor francês, Edmond Rostand. Um galo, chamado Chantecler, acordava de madrugada e cantava a plenos pulmões, para "acordar o sol". Meia hora depois, o sol despertava e surgia brilhante no horizonte. "O sol nasce porque eu canto", proclamava, orgulhoso e arrogante, o galo Chantecler. Mesmo diante da contestação de todos, ele repetia: "sou eu que faço o sol nascer".

Sua decepção profunda veio quando, depois de uma noite mal dormida, o galo acordou muito mais tarde, lá pelas 8 e meia da manhã, e viu, desesperado, o sol brilhando no céu, sem que ele o tivesse determinado.

Lula acha que o Brasil não existia antes de seu governo. Ele nunca se refere ao Plano Real que domou a inflação e contra o qual o PT votou. Não diz também que seu partido fez a oposição mais agressiva e destrutiva da história deste País. E que dizer das contradições entre o que prometeu na campanha de 2002 e o que fez depois?

Publicidade

Tomemos apenas um exemplo dessas contradições. Antes de ser eleito pela primeira vez, Lula propunha nada menos que a "ruptura do modelo econômico vigente". Hoje reconhecemos que seu maior mérito, como presidente, foi exatamente o de não ter cumprido aquela promessa, além de colocar o combate à inflação em primeiro plano, de forma ainda mais ortodoxa que seu antecessor.

Que perspectivas teríamos nestes tempos de cortes de orçamento e de preocupação com o futuro das finanças públicas sem a Lei de Responsabilidade Fiscal? Ou sem a modernização do Estado promovida nos anos anteriores?

Lula tem sido ingrato: demoniza as privatizações, por pura demagogia, sem pensar no que seria do País sem os 255 milhões de acessos de telecomunicações - sejam de telefonia fixa, de celulares, TV por assinatura ou de banda larga - decorrentes da privatização da Telebrás e dos mais de R$ 180 bilhões investidos pelas novas operadoras.

Outra ingratidão: não reconhecer os resultados extraordinários advindos da privatização da Vale e da Embraer, por exemplo.

Chantecler canta 

Publicidade

Com seu linguajar tosco, Lula nos brinda com improvisos que ficarão registrados como as mais tristes manifestações de um presidente da República em nossa história.

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

Lula jamais reconhece que foi beneficiado pelo cenário internacional muito mais favorável na maior parte de sua gestão. Com todos os ventos a seu favor, o País se modernizou, cresceu e ganhou muito maior visibilidade mundial.

Seus oito anos de gestão foram de relativa tranquilidade, mesmo acumulando escândalos como nenhum antecessor. Diferentementeda oposição petista a FHC, a oposição parlamentar a Lula foi a mais débil de nossa história. E, com sua sagacidade, convenceu a opinião pública de que nada sabia e que nada tinha a ver com a corrupção que campeou até nas salas do Planalto, como "nunca antes na história deste País".

Ninguém pode negar que o Brasil progrediu muito de 2003 a 2010. Lula, no entanto, acha que tudo aconteceu por obra e graça de seu governo. Não reconhece o mérito de ninguém mais: chama para si todos os méritos, seja o aumento extraordinário das exportações, sejam os recordes sucessivos da produção de grãos e da autossuficiência da produção de petróleo e das descobertas incríveis do pré-sal pela Petrobrás.

Depois de ter combatido ferozmente o Proer, o programa de FHC de socorro aos bancos, Lula não teve sequer a humildade de reconhecer o mérito daquele plano para a consolidação da saúde do sistema bancário brasileiro, que lhe valeu para enfrentar com muito mais segurança a crise mundial de 2008-2009. 

Publicidade

Pés de barro 

Como todos os demais governantes, Lula se recusa a reconhecer os pontos fracos, as vulnerabilidades da economia e da infraestrutura brasileira. Faça um balanço bem sucinto, leitor, e julgue você mesmo, sem o viés partidário, com todo rigor e objetividade, a educação brasileira, ainda muito aquém das necessidades de um país emergente como é o Brasil de 2010.

Como você avalia a assistência à saúde e a qualidade de nossos hospitais públicos? Que dizer da previdência e de seu futuro? Que nota atribui à segurança pública neste País? Como se sente ao viajar nas estradas federais? Como pode um país com estrutura tributária do Brasil encarar o futuro? Qual é o real desestímulo causado pela burocracia sobre os investimentos? Como poderemos ser competitivos com tantos e tão sérios entraves do chamado Custo Brasil?

Espero que a presidente Dilma Roussef não se comporte como outro Chantecler, e que enfrente a realidade sem qualquer ilusão ou arrogância.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.