No seu discurso em tom de celebração na segunda-feira, 21 de outubro, dia do leilão, a presidente Dilma Rousseff mencionou a cifra de 85%, mas ela somou a parte da Petrobrás e do governo no campo de Libra.
Pessôa e Pires frisam que uma mudança da participação especial no regime de concessão é algo que poderia ser feito por simples decreto presidencial. Além disso, eles acrescentam, na época de discussão sobre mudar ou não o regime, as empresas petrolíferas deixaram claro que concordavam com um aumento da participação especial, diante da excepcional riqueza do pré-sal. Pires lembra ainda que o governo teria também como aumentar os royalties, que são maiores na partilha, por projeto de lei.
Tudo leva a crer, portanto, que garantir um naco maior da renda do petróleo para o Estado brasileiro não foi a verdadeira motivação da mudança do regime do pré-sal. Ou, se foi, de que se tratou de um grande equívoco de avaliação do governo - o que certamente seria subestimar sua inteligência.
O fato de que o leilão de Libra tenha sido feito com apenas um consórcio, o que levou ao resultado mínimo - 41,65% do excedente de petróleo - está sendo descrito por muitos analistas como uma falha do sistema. Como colocou a revista britânica The Economist, Libra saiu "barato".
Mas é possível supor também que isso é mais um indicador de que maximizar a receita pública a ser obtida com o pré-sal não era a verdadeira prioridade do governo. Como nota um interlocutor das autoridades envolvidas na criação do modelo do pré-sal, o simples fato de que o novo sistema dê tamanho protagonismo à Petrobrás já é um sinal de que vender "caro" não era tão importante assim.
Em primeiro lugar, porque a própria estatal brasileira tem de pagar, e sua situação financeira anda apertada. Em segundo porque, evidentemente, se governo coloca no centro do pré-sal uma estatal nacional que também é a maior especialista do mundo em águas profundas, o consórcio no qual ela se engajar de início torna-se tão poderoso que pode desestimular a concorrência.
Acrescente-se a isso uma segunda estatal, a recém-criada PPSA, com grande poder em todo o processo de exploração do pré-sal, e fica claro que se planejou um ambiente institucional que não é voltado a maximizar a concorrência e o ganho de renda do setor público.
Curiosamente, como nota Pires, o grande bônus de assinatura de R$ 15 bilhões, que tende a reduzir o excedente de petróleo que os consórcios estariam dispostos a pagar, sinaliza que, no curtíssimo prazo, a prioridade do governo foi de extrair o máximo de renda de Libra - provavelmente para ajudar a fechar as contas de 2013.
No longo prazo, porém, resta entender a motivação mais profunda da mudança do regime, se esta não foi a de aumentar o ganho do Estado na repartição da renda do petróleo. Uma tese abraçada por vários analistas, como Pessôa, é de que o verdadeiro objetivo foi o de possibilitar uma política industrial de desenvolvimento de atividades como fabricação de plataformas ou refino de petróleo. O grande controle do Estado brasileiro sobre todo o processo, por meio das características do regime e da presença decisiva da Petrobrás e da PPSA, permite que a exploração do pré-sal se amolde às necessidades de incentivar a produção nacional.
Mas existe também o fator político. Ao mudar o regime para o pré-sal, adotando a partilha, na qual boa parte do petróleo físico fica nas mãos da União, o PT conseguiu fazer um contraste simbólico com o modelo de concessão. Mesmo que este permaneça para as áreas fora do pré-sal, é certo que, na campanha eleitoral, a presidente Dilma Rousseff vai explorar a via "nacionalista" da exploração das maiores reservas da história do petróleo no Brasil.
Fernando Dantas é jornalista da Brodcast (fernando.dantas@estadao.com)
Esta coluna foi publicada originalmente na AE-News/Broacast