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Economia e políticas públicas

Opinião|A arrancada do Centrão

Queda de Ernesto Araújo do Itamaraty e Orçamento que deixa Economia refém do Congresso são sinais de que o Centrão desponta como vencedor dos conflitos entres as díspares bases do governo Bolsonaro. Coluna escrita e publicada antes da troca ministerial completa de 29/3.

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Atualização:

As peças estão se movendo rapidamente no tabuleiro em que os diversos grupos que formam a base de apoio a Bolsonaro se digladiam. O Centrão ganha protagonismo, e avança no espaço de outros grupos, como a equipe econômica de Paulo Guedes e a ala "ideológica".

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Na votação do Orçamento, o Centrão deu um "chega para lá" em  Guedes, que ainda representa a cada vez mais combalida base de apoio liberal ao governo, e que reúne o mercado financeiro e parte do empresariado.

Com subestimação e cortes de dotação de despesas obrigatórias por parte dos parlamentares, o Orçamento ficou inexequível. O que vai sobrar efetivamente para custeio da máquina e investimentos fará o governo entrar em lockdown, com paralisação de serviços públicos.

A equipe econômica está em "corner" e terá que contar com o próprio Congresso, que cometeu o orçamento explosivamente irresponsável, para reduzir de forma substancial o espaço das emendas dos próprios parlamentares.

Outras opções seriam cometer improbidade ou enviar emenda constitucional que permita furar o teto. Ambas são naturalmente desastrosas e serão evitadas a qualquer custo. Resta pagar o resgate que o Centrão exigir.

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O progressivo definhamento do poder de Guedes teve seu momento emblemático com a entrevista de Luis Stuhlberger, superastro da gestão de recursos, à editora Cristiane Barbieri, do Broadcast, na qual o gestor do Fundo Verde disse que votara em Bolsonaro, por causa da pauta liberal, mas não o faria mais.

Mas não foi apenas na economia que o Centrão arregaçou as mangas. Ernesto Araújo, figura chave no governo da ala ideológica, pediu demissão do cargo de ministro das Relações Exteriores enquanto esta coluna estava sendo escrita.

Em sessão do Senado na semana passada, Araújo foi triturado pelos parlamentares, pela incompetência em apoiar o Brasil na aquisição de vacinas (e seu componente básico) e pela postura doidivanas que a diplomacia brasileira assumiu na sua gestão, incluindo hostilidades gratuitas à poderosa China.

Posteriormente, Araújo desentendeu-se com a senadora Kátia Abreu (PP-TO), presidente da Comissão de Relações Exteriores, que o chamou de "marginal". Os presidentes da Câmara e do Senado, Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (DEM-MG), respectivamente, apoiaram o movimento para pedir a cabeça de Araújo.

A questão chave para o mercado é avaliar quais serão as consequências para a política econômica desse "empoderamento" do Centrão dentro do governo Bolsonaro.

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A visão clássica é que esse conglomerado de parlamentares de diferentes partidos não tem nenhuma ideologia, e representa apenas interesses de corporações e grupos específicos ou, de forma paroquial, seus eleitorados regionais.

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Dessa forma, o poder do Centrão é em certa medida inversamente proporcional à força do governo que dele depende. Quanto mais fraco este, mais caro é o preço em cargos e verbas que o grupo de parlamentares cobra para votar favoravelmente à pauta legislativa do Executivo.

O Centrão, no entanto, exatamente por não possuir veleidades ideológicas, tem algum senso pragmático e provavelmente percebe que, em caso de uma catástrofe econômica antes de 2022, sairá também chamuscado em alguma medida como aliado de Bolsonaro.

Sempre há a opção de correr para o candidato de oposição, que pode ser Lula, mas contribuir para jogar a economia no abismo não vai render nada para ninguém e pode muito bem custar mandatos individuais.

É com esse tênue incentivo a alguma responsabilidade do Congresso que a equipe econômica terá que contar para atravessar a corda bamba das contas públicas em 2021. Será preciso engolir muito sapo e ser muito diplomático. Resta ver como será o desempenho de Guedes e seu exército de Brancaleone nessa dificílima tarefa.

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Fernando Dantas é colunista do Broadcast (fernando.dantas@estadao.com)

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 29/3/2021, segunda-feira.

Opinião por Fernando Dantas
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