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Economia e políticas públicas

Opinião|A casa do Brasil em chamas

Em artigo para a Gavekal, consultoria internacional de investimentos, Armando Castelar, do Ibre/FGV, aconselha investidores estrangeiros a não entrarem agora no "edifício em chamas" do Brasil, com exceção dos mais escaldados em relação a este tipo de situação.

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Atualização:

Com o forte título de "A casa do Brasil em chamas", o economista Armando Castelar, do Ibre/FGV, assina um relatório da Gavekal, conhecida consultoria internacional de investimentos, que resume de forma didática e alarmante a situação do País atingido pela crise do coronavírus.

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Na conclusão do relatório, Castelar não usa meias palavras para aconselhar o investidor estrangeiro considerando a possibilidade de colocar dinheiro no Brasil. Ele aponta que, ainda que demanda represada faça o crescimento acelerar no segundo semestre deste ano, a recuperação total não deve ocorrer antes de meados de 2022.

Em seguida, escreve que "outros cenários menos róseos podem ocorrer, e então meu conselho de investimento é o de não correr para um edifício em chamas. Neste momento, é melhor deixar o Brasil para especialistas, loucos, oportunistas de longo prazo e aqueles sem outras opções".

Castelar também faz uma recomendação a investidores do tipo "retorno à média" (simplificadamente, que apostam que, após oscilar para extremos, variáveis tendem a voltar à média) que enxerguem oportunidade de investir no mercado acionário brasileiro, que caiu mais de 50% este ano em dólares, e que foi muito bem em 2019.

Segundo o economista, qualquer retomada global impulsionada por estímulos e liquidez poderia favorecer produtores brasileiros de commodities no final do ano, que deveriam ser o foco de investimentos especulativos.

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No entanto, esses investidores deveriam evitar "domestic plays", isto é, empresas com negócios orientados para o mercado domésticos brasileiro, como redes varejistas, por exemplo.

O que embasa essa visão pessimista de Castelar?

O economista menciona no relatório a atitude do presidente Jair Bolsonaro contrária ao isolamento horizontal e a fraca reação de saúde pública do Brasil, o que está levando o País a apresentar o maior número de mortes na pandemia no mundo emergente.

"Os investidores estão horrorizados com os custos econômicos dessa reação desastrada, como mostram a saída de capitais e o desabamento [do valor] da moeda", ele escreve.

O atenuante é que a estrutura federativa do Brasil permitiu que governadores e prefeitos lidem com a crise, de forma a não comprometer demais as perspectivas de longo prazo do País, embora o cenário de investimentos nos próximos dois anos seja sombrio, na sua visão.

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Castelar discorre sobre os números que já vem sendo projetados para o impacto da crise no Brasil. O que chama a atenção é a projeção de déficit público (nominal) este ano de 14% do PIB, com um pacote fiscal anticrise de 5,5% do PIB.

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Com isso, a dívida pública bruta vai a 93% do PIB, tendo sido aberta a via de financiamento monetário, pela permissão constitucional de que o BC compre títulos públicos e privados. Ele nota que a medida "é arriscada se os investidores estrangeiros perderem a confiança no compromisso do governo com uma moeda estável".

Castelar observa ainda que, mesmo com intervenções que fizeram as reservas internacionais caírem US$ 386 bilhões para US$ 339 bilhões entre agosto de 2019 e abril, o real caiu 30% ante o dólar este ano e está 40% abaixo da sua média dos últimos 20 anos em termos reais.

O baixo crescimento e o risco político pressionam o real, o que se soma à queda da Selic (que remunera investimentos em renda fixa na moeda brasileira) para 3%, com perspectiva de chegar a 2,25% em junho.

O economista explica que esses cortes da taxa básica são justificados por causa da queda da inflação na esteira do recuo da demanda. Ele prevê que o dólar possa chegar a mais de R$ 6 este ano mas, desde que o Brasil evite uma crise política (extrema, se supõe), o BC absorverá uma desvalorização ordeira, que deve se reverter parcialmente pela redução à metade do déficit em conta corrente do Brasil (o que virá como consequência do colapso da demanda).

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O problema, porém, é político, na visão de Castelar.

Ele narra como Bolsonaro comprou brigas com os governadores, Congresso e Supremo, e como a saída de Sergio Moro abriu as portas para a possibilidade de impeachment. A aproximação com o Centrão, em troca de abrir torneiras de gasto público, põe a equipe econômica em xeque e pode levar à saída de Paulo Guedes.

O economista acrescenta que a recessão no Brasil vai depender do curso da epidemia, e não ajuda o fato de ser o país mais afetado entre os emergentes, no qual a contaminação da população mais pobre está levando o sistema público de saúde ao colapso.

Se o auxílio emergencial for estendido até o fim do ano, projeta Castelar, a dívida sobe mais 3,4 pontos porcentuais (PP) do PIB, o que levaria a downgrade do crédito do Brasil. Ele mostra que o risco Brasil medido pelo CDS de cinco anos explodiu mais do que o da média dos emergentes.

Mesmo que o Brasil ainda venha a ter uma resposta sanitária adequada à pandemia, os problemas fiscais devem reduzir a demanda doméstica.

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A síntese é que um país emergente, que já tinha problemas econômicos sérios antes da pandemia, reagiu de forma muito ruim à crise, em parte por responsabilidade do presidente da República, que também vem acirrando as confrontações políticas ao máximo.

Tudo combinado, chega-se ao incêndio que Castelar recomenda que o investidor estrangeiro evite, a não ser aquele muito treinado para se virar nessas situações extremas.

Fernando Dantas é colunista do Broadcast (fernando.dantas@estadao.com)

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 13/5/2020, quarta-feira.

Opinião por Fernando Dantas
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