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Economia e políticas públicas

Opinião|A direita e o "cordão sanitário"

Seguindo o que ocorre em outros países, há um racha no campo da centro-direita e direita no Brasil, entre os que aceitam marchar com Bolsonaro e os que rejeitam a extrema-direita representada pelo atual presidente. Isso prejudica uma eventual candidatura de centro desse campo em 2022, como Lucina Huck.

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Atualização:

A derrota de Baleia Rossi (MDB-SP) na disputa pela presidência da Câmara abriu uma rachadura no campo da centro-direita e direita no Brasil.

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Rodrigo Maia (DEM-RJ), o articulador da candidatura de Rossi, se sente traído por ACM Neto (DEM-BA), que agiu para que o DEM, partido de ambos, ficasse neutro entre o candidato emedebista e o vitorioso Arthur Lira (PP-AL), o favorito do presidente Jair Bolsonaro. Maia agora diz que vai sair do DEM.

Como ocorre em diversos países, a grande questão é qual o tratamento que a centro-direita e a direita devem dar à extrema-direita, representada no Brasil de hoje pelo bolsonarismo.

É um dilema clássico. A extrema-direita é vista pelo sistema político respeitável como portadora de diversas características indignas e repulsivas.

O cardápio varia de país para país, de acordo com questões como formação histórica e étnica. Nos países ocidentais do hemisfério Norte, de maioria branca, um dos divisores d'água é o tratamento à questão dos imigrantes.

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As forças de centro e de direita em geral - e por vezes até a centro-esquerda - se sentem à vontade para propor endurecer as regras para imigração, se essa for a vontade do eleitorado.

Mas há uma linha que políticos dos partidos convencionais relutam em ultrapassar: a do racismo. Já a extrema-direita não tem os mesmos escrúpulos, e de forma menos ou mais explícita flerta com ideias e slogans de cunho racista na sua guerra permanente contra a imigração.

Daí surge um dilema existencial para a centro-direita e direita, que é o de consentir ou não em alianças, ocasionais ou mais duradouras, com a extrema-direita.

Uma alternativa é o "cordão sanitário", pelo qual políticos respeitáveis se recusam a qualquer entendimento ou articulação com o populismo de extrema-direita.

Acontece que muitas vezes esses populistas têm carisma e votos, e uma aliança com eles é tudo de que a direita tradicional precisa para derrotar a esquerda. Nesse caso, a tentação fica grande, e muitas vezes ocorre a aliança entre políticos "respeitáveis" e aqueles que pisoteiam as regras básicas de ética e etiqueta que regem as democracias modernas.

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No caso brasileiro, o problema da imigração é irrelevante (embora Bolsonaro tente explorar o assunto) e racismo aberto está fora de questão mesmo para a extrema-direita, porque seria suicídio político num país em que mais da metade da população se declara preta ou parda.

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Bolsonaro é frequentemente acusado de racista, por declarações e atos (como a nomeação de Sérgio Camargo, um negro negacionista do racismo, para dirigir a Fundação Palmares), e muitas vezes com razão. Esse, porém, não é um tema central na lista de abjeções com que o presidente brinda infatigavelmente a opinião pública.

E o que não falta são facetas da persona política de Bolsonaro que fazem do presidente um personagem a merecer um "cordão sanitário".

Bolsonaro defende explicitamente a ditadura, e já defendeu várias vezes a tortura e a morte ilegal por agentes do Estado de opositores e combatentes de um regime de exceção. Um dos ídolos do presidente e seus filhos, o coronel Brilhante Ustra, foi um dos mais notórios torturadores do regime militar.

No atual governo, em conflitos com o Congresso e o Poder Judiciário, Bolsonaro já tomou diversas ações de apoio e incentivo a ações diretamente antidemocráticas. A proximidade do presidente com os militares, que recheiam seu governo, torna ainda mais graves esses atos.

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Bolsonaro constantemente ataca, ofende ou tenta prejudicar em seus direitos minorias sexuais, indígenas, quilombolas etc. O presidente propositadamente sabotou o arcabouço nacional (já muito falho) de proteção ao meio ambiente.

Bolsonaro é um aliado incondicional das polícias no Brasil, o que em princípio seria aceitável. Mas o presidente e seus filhos fazem questão absoluta de não criar nenhuma separação entre a banda limpa e a banda podre das polícias.

Assim, defendem policiais matadores mesmo que não esteja caracterizada a legítima defesa. O apoio ao excludente de ilicitude é apenas uma forma de tentar legalizar o que já apoiam quando praticado ilegalmente.

No extremo, como policiais e ex-policiais criminosos e matadores no Brasil se constituíram em milícias, organizações criminosas e assassinas, é fundamental mencionar toda a extensa lista de relações perigosas da família Bolsonaro com essas pessoas - incluindo aquelas no âmbito do escândalo das "rachadinhas", no qual o senador Flavio Bolsonaro é o principal acusado.

Com um currículo desses, não é de admirar que exista no Brasil uma centro-direita que queira se distanciar de Bolsonaro.

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Por contingências históricas, Rodrigo Maia se tornou recentemente o núcleo dessas forças, e foi duramente derrotado, no seu embate com ACM Neto, pela direita que não quer fazer cordão sanitário.

De cara, essa derrota enfraquece a tentativa de criar, pelo campo que vai do centro à direita, uma candidatura centrista para ser protagonista na disputa presidencial do ano que vem. O nome do apresentador Luciano Huck surge como a bola da vez nessa tentativa, e o resultado da eleição para as Casas do Congresso não foi bom para ele, se de fato nutre a ambição de disputar a presidência.

Resta ver se, no campo que vai do centro à esquerda,  surgirá uma articulação consistente em torno de um nome centrista ou se a aposta será de novo na polarização entre esquerda e extrema-direita, caminhando para um segundo turno entre Bolsonaro e Lula, caso esse consiga concorrer, ou um candidato teleguiado por Lula.

Por enquanto, nada sugere que esteja ganhando gás uma candidatura de centro anti-Bolsonaro na disputa de 2022.

Fernando Dantas é colunista do Broadcast (fernando.dantas@estadao.com)

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Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 8/2/2021, segunda-feira.

Opinião por Fernando Dantas
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