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Economia e políticas públicas

Opinião|A guerra dos sexos no BC americano

Ele já foi representado nas telas de cinema em grande estilo, na cena do filme "A Rede Social" em que massacra os gêmeos Winklevoss quando estes vão se queixar contra o que consideram o jogo sujo de Mark Zuckerberg na criação do Facebook. Como reitor de Harvard, onde os Winklevoss e Zuckerberg estudavam, Lawrence Summers considerou que a reclamação dos gêmeos, que se consideravam traídos pelo fundador do Facebook, era choro de perdedor, incompatível com o espírito empreendedor da mais célebre universidade americana.

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Foto do author Fernando Dantas
Atualização:

A forma direta e dura com que Summers (representado por Douglas Urbanski) esculacha e despacha os gêmeos mimados da alta burguesia é fidedigna ao estilo do famoso economista americano, que acabou deixando a chefia de Harvard por um comentário desabonador sobre a inteligência feminina.

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Agora, Summers surge como potencial candidato a substituir Ben Bernanke como chairman do Federal Reserve (Fed), o banco central americano, quando o atual mandato deste expirar, em 31 de janeiro de 2014. A outra forte candidata é Janet Yellen, funcionária de carreira do Fed e atual vice-chairwomando BC americano.

Há até pouco tempo, Yellen era tida como franca favorita, mas, nas últimas semanas, o nome de Summers cresceu. Na verdade, todas as informações sobre a sucessão no Fed têm um componente de rumor, já que a escolha cabe ao presidente Barack Obama, e este ainda não deu pistas públicas sobre o assunto (embora já tenha sinalizado que Bernanke deve sair). O novo chairman, apontado por Obama, terá posteriormente de ser aprovado pelo Senado.

Hoje, o jornal britânico Financial Times informa em seu site que diversos senadores democratas estão circulando uma carta de apoio a Yellen, o que reforça a sua posição no embate com Summers.

De qualquer forma, a entrada de Summers no páreo tem provocado frisson na blogosfera econômica, especialmente por parte de comentaristas mais liberais no sentido americano da palavra, isto é, mais à esquerda. Contra Summers, pesa o fato de que ele seja considerado um dos arquitetos intelectuais da liberalização financeira a partir dos anos 90, que muitos veem como principal causa da crise global de 2008 e 2009.

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Próximo dos Democratas

Além disso, embora não se espere que Yellen ou Summers mude radicalmente a política monetária de estímulo à atividade econômica comandada por Bernanke, a atual vice-chairwoman é percebida como mais "pomba" (mais preocupada com o crescimento, e menos com a inflação) do que o ex-presidente de Harvard.

Na verdade, não é tão fácil classificar Summers na escala que vai de pombo a falcão (estes muito preocupados com a inflação). Em termos fiscais, ele se aproxima do pensamento liberal (no sentido americano), como um forte proponente de que cortes de gastos em momentos de economia debilitada são uma má ideia.

Porém, em termos de política monetária propriamente dita, ele tem falado pouco, e chamaram atenção questionamentos que ele fez recentemente sobre a eficácia do chamado afrouxamento quantitativo (compra de títulos pelo Fed para expandir o dinheiro em circulação) e sobre os riscos que ele traz em termos de formação de bolhas de ativos. Embora não sejam nada que não venha sendo discutido dentro do próprio Fed, aquelas observações de Summers criam uma percepção de que ele possa ser menos pombo que Yellen. Mas não se enxergam por ora diferenças gritantes de pensamento entre os dois.

Summers já foi secretário do Tesouro de Clinton e principal assessor econômico de Obama. Ele faz parte do grupo de economistas e tecnocratas de finanças ligado a Robert Rubin, também ex-secretário do Tesouro de Clinton, e que inclui Timothy Geithner, ex-secretário do Tesouro de Obama. Como tal, Summers é particularmente próximo do Partido Democrata e da parte da elite financeira de Wall Street vinculada a este partido.

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Uma das forças da candidatura de Summers, segundo vários analistas, é justamente a sua maior proximidade de Obama (quando comparado a Yellen), exatamente por pertencer a este grupo muito atuante tanto na formulação da política econômica do Partido Democrata quanto - via Wall Street - no financiamento de campanhas.

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Já Yellen é vista como bem mais especializada em política monetária ao longo de sua carreira do que Summers. Além disso, ela tem a seu favor também o fato de comprovadamente ter se preocupado com eventos negativos antes que eles acontecessem, como a bolha imobiliária que estourou em 2008 e 2009, e o sistema financeiro "nas sombras", de onde surgiram a alavancagem e os derivativos tóxicos que foram combustíveis da crise global.

Personalidades

Mas talvez o maior contraste entre Yellen e Summers esteja no quesito personalidade, que é muito importante para um chairman do Fed, que tem de saber se comunicar com os mercados e o público, e liderar intelectualmente dentro do BC americano (isto é, convencer e persuadir, mais do que mandar e pedir fidelidade).

Em termos de comunicação, Yellen se destaca, já que vem se dedicando a isso, e chefia justamente o subcomitê de comunicação do Fed. Este é um ativo valioso. Basta lembrar como a entrevista coletiva de Bernanke de junho, em que ele sinalizou o possível início da redução das compras de títulos até o fim de 2013, estressou os mercados, levando o chairman do Fed a fazer uma série de comentários posteriores para "corrigir" o que havia dito.

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Summers, por sua vez, não tem reputação de bom comunicador no sentido exigido para liderar o Fed (embora seja um dos mais fascinantes economistas para se ouvir numa palestra, como este colunista já teve chance de testemunhar mais de uma vez). O seu estilo muito franco e direto, que às vezes chega às raias do inconveniente, é difícil de harmonizar com a comunicação ultra premeditada e cautelosa que caracteriza os BCs atualmente.

No quesito liderança, há vantagens e desvantagens em Summers. Se é verdade que a sua predisposição de trombar possa melindrar outros membros votantes do comitê de política monetária do Fed, por outro lado a sua personalidade forte pode ajudar nos momentos em que for preciso angariar apoio para mudanças de curso drásticas, que fujam à sabedoria convencional.

É importante lembrar que um dos mais célebres chairmen do Fed da história recente foi Paul Volcker, que comandou a fortíssima elevação dos juros americanos no início dos anos 80, que liquidou o período de estagflação. Volcker é conhecido por ser uma pessoa sem papas na língua e que tem pouca preocupação com a correção política, características que se encontram também em Summers.

Etapa da normalização

A política monetária americana está entrando em mais uma etapa do período de mares nunca dantes navegados iniciado com a crise global. Agora, depois do maior experimento de expansão monetária convencional e anticonvencional de todos os tempos, é hora do Fed se preparar para um lento, difícil e incerto processo de volta à normalidade, cuja duração será ditada pelo desempenho da economia americana, e especialmente pelo mercado de trabalho.

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A escolha de Yellen seria uma aposta segura na continuidade do trabalho desenvolvido por Bernanke, que pode ser considerado razoavelmente bem sucedido. A vice-chairwoman do Fed talvez até pendesse para ser um pouco mais pomba do que o atual chairman, e mais paciente no timing da normalização.

Summers, por outro lado, seria uma escolha que provocaria mais dúvidas no mercado, mas que daria ao Fed uma liderança forte o suficiente para surpreender e nadar contra a corrente, caso isso seja requerido pelos tempos complicados à frente.

Não é certo que a escolha recaia sobre um dos dois, embora hoje apareçam como os grandes favoritos. Outros possíveis nomes já foram cogitados, como o de Geithner e o do ex-presidente do BC de Israel, Stanley Fischer (que tem dupla nacionalidade). Há até alguns meses, até se cogitava da renomeação de Bernanke (embora já fosse vista como possibilidade remota, e, inclusive, contrária à vontade do próprio chairman). De qualquer forma, a nomeação do próximo comandante do Fed será provavelmente a mais importante decisão econômica de 2013.

fernando.dantas@estadao.com.br

Este post foi publicado originalmente na AE-News/Broadcast

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Opinião por Fernando Dantas
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