A hora da verdade está se aproximando para o Banco Central (BC), na visão de Carlos Woelz, fundador e gestor da Kapitalo Investimentos.
Amanhã, ao fim da reunião do Copom em que o mercado espera em peso uma redução da Selic de 0,25 ponto porcentual (pp), para 6,5%, o BC também divulgará no comunicado a projeção do seu modelo para o IPCA de 2018 e 2019 no cenário de mercado - aquele que leva em conta a mediana das projeções da Selic e da taxa de câmbio do sistema Focus de coleta das expectativas de mercado.
Na ata da última reunião do Copom, de fevereiro, essas projeções estavam em 4,2% tanto para 2018 como para 2019. O centro da meta de inflação é de 4,5% para este ano e de 4,25% para o próximo.
Baseado na mudança das variáveis condicionantes da inflação entre a reunião de fevereiro e a de março, e na elasticidade da inflação a mudanças na inflação corrente, expectativas, juros e câmbio, a Kapitalo estima que as novas projeções do IPCA do modelo do BC no cenário de mercado serão de 3,7% e 3,9%, respectivamente, para 2018 e 2019. O patamar máximo para a qual essas projeções deveriam cair com as hipóteses constantes, na visão de Woelz, é de respectivamente 3,8% e 4%.
E é aqui que entra a hora da verdade. Na visão do gestor, projeções desse nível deveriam levar o BC não a "deixar a porta aberta" para mais cortes após a reunião de março, mas sim a sinalizar concretamente que haverá novas reduções da Selic. Afinal, tomando-se projeções de 3,8% e 4% para 2018 e 2019, trata-se de níveis de, respectivamente, 0,45 e 0,25 pp abaixo dos respectivos centros de meta - desvios substanciais que demandariam ação do BC, caso efetivamente esteja perseguindo o centro da meta.
O problema, diz Woelz, é que "o mercado começa a duvidar que o BC esteja mirando de fato o centro da meta e vai ficar cada vez mais difícil o BC fugir deste debate: ou mostra que está de fato perseguindo o centro, ou admite que está mirando mais embaixo".
Neste segundo caso, entretanto, o BC teria de explicar por que não estaria agindo dentro das determinações convencionais do regime de metas, e não é nada trivial imaginar que novo discurso poderia ser este.
O gestor da Kapitalo relata que já ouviu no mercado conversas de que o BC, caso de fato se convença de que a inflação de 2018 e 2019 pode ficar substancialmente abaixo das metas, reagiria abaixando as metas - o que Woelz considera péssima ideia.
Ele nota que meta que pode ser mudada para baixo também pode ser mudada para cima. Além disso, o foco deveria ser o avanço institucional de obter a autonomia formal do BC. E, nesse contexto, a possibilidade de a própria autoridade monetária pressionar para mudar a meta seria um tiro no pé na busca daquele objetivo, já que a autonomia formal típica prevê que o BC tenha independência operacional para perseguir uma meta fixada pelo governo.
Adicionalmente, o próprio BC em sua comunicação vem reiterando que as metas de 2018 e 2019 são "jogo jogado".
Em relação às razões pelas quais estima que as projeções do BC para a inflação de 2018 e 2019 cairão significativamente em relação à ultima reunião do Copom, o gestor da Kapitalo nota inicialmente que a inflação corrente está muito baixa, e não só pelo efeito da alimentação.
A média de quatro núcleos relevantes e bastante gerais, na medida trimestral dessazonalizada e anualizada (3MSA, no jargão do mercado), está em 2,56%. O núcleo dos serviços subjacentes (também 3MSA), indicador mais restrito, mas valorizado pelo BC por sua sensibilidade à parte da inflação que reage mais à política monetária, está em 2,45%. Essas leituras podem cair ainda mais em março, com a saída de dezembro, mês em que a inflação veio mais alta, dos indicadores trimestrais.
Adicionalmente, o ritmo até meio decepcionante da economia neste início de ano sinaliza que não deve ter havido mudanças significativas no hiato do produto nos últimos meses. As projeções do mercado para o câmbio em 2018 e 2019 também estão muito estáveis desde o início do ano, havendo alguma queda, naturalmente, apenas para a projeção da Selic - mas dada a baixa elasticidade da inflação a movimentos pequenos da taxa básica, isto não deveria produzir alteração relevante na projeção do modelo do BC para o IPCA de 2018 e 2019.
O mais concreto, entretanto, é que a inflação do primeiro bimestre do ano já apresentou uma surpresa baixista de 0,4 pp em relação às projeções do BC, o que Woelz estima que possa subir para 0,66 ao fim do primeiro trimestre. Conservadoramente, apenas isso já deveria fazer a projeção do IPCA em 2018 cair para 3,8%. Sistemáticos e seguidas superestimações do IPCA pelo BC ao longo de vários trimestres sugerem que a dinâmica inflacionária também está mais fraca do que o imaginado, o que jogaria ainda para mais baixo a projeção de 2018.
Uma inflação bem abaixo da meta em 2018 já é um fator que influencia na mesma direção o IPCA de 2019. E, depois de se manter na meta de 4,25% por vários meses, a expectativa mediana do Focus para o IPCA de 2019 cedeu para 4,2% recentemente. Woelz tem dados que mostram que, quando há esse tipo de desrepresamento da expectativa, ela tende a andar bastante no período subsequente.
Ele nota ainda que o Itaú estima que a projeção do IPCA no cenário de mercado a ser divulgada amanhã seja de 3,8% para 2018 e de 4,1% para 2019. Mesmo esses números, na sua visão, deveriam levar o BC a explicitar de uma vez por todas se está ou não perseguindo o centro da meta. E, caso o BC mantenha a projeção de 2019 em 4,2%, o que parecerá muito forçado do ponto de vista técnico, isto apenas reforçará as suspeitas no mercado de que o Copom está fugindo da discussão porque não tem como justificar sua linha de ação.
Woelz, finalmente, lembra que, ao final da ata de fevereiro, o BC informou que o horizonte temporal relevante de suas decisões era 2018, mas com peso menor e gradualmente crescente de 2019. O gestor da Kapitalo considera que, seja qual for ano considerado, há desvios para baixo em relação ao centro da meta suficientemente expressivos para que o BC, caso de fato o esteja perseguindo, deixe claro amanhã que o ciclo de queda da Selic ainda não terá chegado ao fim. (fernando.dantas@estadao.com)
Fernando Dantas é colunista do Broadcast
Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 20/3/18, terça-feira.