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Economia e políticas públicas

Opinião|A maldição fiscal dos recursos naturais

Estudo publicado pelo FMI mostra que grandes descobertas de petróleo e gás levam a aumentos da relação dívida-PIB da ordem de 15 pontos porcentuais na média dos países e aumentam chance de crises.

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Atualização:

Um novo estudo divulgado pelo FMI encontra um efeito acumulado de aumento de 15 pontos porcentuais (pp) na relação dívida/PIB de países nos primeiros dez anos após grandes descobertas de petróleo e gás.

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Esses países também aumentam suas chances de ter crises de endividamento. Segundo os autores do trabalho, o impacto fiscal adverso dessas descobertas nessa primeira década pré-descoberta é equivalente, como causa potencial de crises, ao de choques negativos de preços de commodities (em países dependentes de matérias-primas).

O "paper" aborda a chamada "presource curse", expressão que é um trocadilho em inglês difícil de traduzir. "Resource curse" significa "maldição dos recursos naturais", e é um conceito bem conhecido. "Presource" significa que a "maldição" começa antes mesmo de os recursos serem explorados, isto é, se inicia já quando são descobertos.

O trabalho, publicado pelo FMI,  é intitulado "The 'Fiscal Presource Curse': Giant Discoveries and Debt Sustainability (A Maldição Fiscal 'Presource: Descobertas Gigantes e Sustentabilidade Fiscal). Os autores são os economistas Matteo Ruzzante (Northwestern University) e Nelson Sobrinho (FMI).

Tanto a maldição "resource" quanto a "presource" são algo muito conhecido dos economistas: o fato de que grandes descobertas de petróleo, gás ou reservas minerais, que aparentemente fariam um país enriquecer, frequentemente têm o efeito contrário.

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A visão de pesquisadores em geral sobre esse problema já foi muito baseada nos efeitos puramente econômicos, como a sobrevalorização da moeda e consequente desindustrialização, a chamada "doença holandesa".

Como notam os autores, depois o foco mudou para a economia política. Instituições políticas fortes e saudáveis, boa governança e arcabouços fiscais adequados mitigam ou neutralizam muito dos impactos negativos das grandes descobertas, o contrário ocorrendo na ausência desses atributos.

O caminho político pelo qual uma grande descoberta de recursos naturais transforma-se em um obstáculo ao desenvolvimento do país é bem conhecido. Há um excesso de otimismo, inflam-se as ambições políticas, o governo (ou até o setor privado e as famílias) se endivida demais, o dinheiro é mal gasto, ou indo mais do que devia para consumo, ou para investimentos ruins. Uma hora a mágica cessa e a conta chega, na forma de crises fiscais e externas. E há ainda a corrupção, conflito armado em alguns casos etc.

O paper cita casos, a partir dos anos 2000, como os de Moçambique (gás natural), Gana (petróleo) e Mongólia (recursos minerais), com aumento forte de dívida externa e crises. Embora não detalhado especificamente no trabalho, o caso do Brasil com a descoberta do pré-sal em 2006-7 é tido por alguns economistas, como Bráulio Borges, da LCA e Ibre-FGV, como um caso de "presource curse".

O estudo parte de uma base global de dados sobre descobertas gigantes de petróleo e gás (reservas de pelo menos 500 milhões de barris recuperáveis de óleo equivalente com a tecnologia existente) e a complementa com informações sobre descobertas de reservas minerais gigantes (como as de jazidas de mais de 1 milhão de onças de ouro, ou de mais de uma milhão de toneladas métricas de cobre).

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Também são coletados, de variadas fontes, dados de dívida pública de 171 países entre 1970 e 2017, além de várias medidas de estresse fiscal, problemas de endividamento e qualidade de instituições políticas e governança.

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A partir daí, com uma metodologia econométrica que busca evitar problemas de errônea atribuição de causalidade - segundo os autores, "usando um arcabouço pelo qual as descobertas são tratadas como um 'experimento natural' ou um 'choque de notícias' não antecipado" -, chega-se aos resultados.

O exercício mostra que, a partir da notícia da grande descoberta, a razão dívida-PIB dos países tende a aumentar entre 1 a 2 pontos porcentuais (pp) por ano na primeira década após o evento. A partir da segunda década, o efeito gradativamente desaparece. Esse impacto substancial e persistente se refere às descobertas de petróleo e gás. No caso de minerais, também há efeito de aumento da dívida, mas mais difícil de precisar.

O efeito acumulado nos primeiros dez anos é grande, chegando a aproximadamente 15pp de aumento da relação dívida/PIB, como já mencionado. Esse aumento está na faixa das elevações de dívida que trazem problemas. E os autores detectam efetivamente uma maior probabilidade de haver crises de dívida nesses países.

Como era de se esperar, o estudo também encontra que os efeitos adversos sobre endividamento são maiores nos países com piores instituições políticas e governança.

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Na conclusão, os economistas listam o que pode ser feito para evitar ou minorar a maldição dos recursos naturais, incluindo a que ocorre antes mesmo da sua exploração, "presource".

São as recomendações de sempre: melhorar as instituições e a governança fiscal e da dívida pública; reduzir oportunidades de corrupção; ter transparência, responsabilização e melhores práticas no processo orçamentário; gerir recursos naturais com base em regras (e não discricionariedade); gerir a riqueza advinda dos recursos com base nas melhores práticas internacionais; e incentivar as multinacionais envolvidas nesses setores a serem socialmente responsáveis, especialmente em situações em que disputas pelo controle dos recursos podem levar a conflitos armados.

Fernando Dantas é colunista do Broadcast (fernando.dantas@estadao.com)

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 4/2/2022, sexta-feira.

Opinião por Fernando Dantas
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